Aprendi com “O Principezinho” a dar valor
aos rituais. No entanto, muito poucos são aqueles que adquirem a relevância
definida na magnífica história de Saint-Exupéry, porque não brotam do nosso
coração. Quando assim acontece toda a importância que possam ter torna-se banal.
Hoje é dia de fazermos um balanço do ano.
Jornais, revistas, rádios, muitos de nós fazem-no porque sim, porque é da praxe, como autómatos dirigidos pelo
convencionalismo do calendário. De nada servem! São um acumular de informação
que queremos arrumar no baú da memória como qualquer peça de roupa que
decidimos deixar de usar e vamos arrumar para sempre numa arca.
Os balanços são importantes mas não necessariamente
no dia 31 de dezembro. Não somos contabilistas da vida nem do tempo, todavia,
pode ser útil, de vez em quando, fazermos um balanço do que fizemos. Não no dia
31! Isso saberá sempre a falso. Se achamos importante este exercício
retrospetivo, façamo-lo em qualquer dia do ano, mas não hoje, não por estes
dias, não por imposição exterior.
Os balanços mais importantes são os
pessoais. Verificar o que fizemos e deixamos de fazer, quanto a rota projetada
se cumpriu ou foi desviada. Percebermos o porquê
de determinados acontecimentos na nossa vida. Acho que esta reflexão faz
sentido e pode ser útil, sobretudo se pretendermos agir sobre o nosso destino e
não deixar que o destino nos conduza por completo.
Refletir sobre o que nos aconteceu e o que
fizemos acontecer pode ter várias consequências. Pode ser nostálgico, pode-nos entristecer,
pode ser galvanizador ou até assustador, quando tomamos consciência que andamos
há meses a viver ao sabor das circunstâncias. No entanto, os frutos desta
reflexão apenas se colhem se ela nascer de uma intrínseca e verdadeira
necessidade pessoal.
De vez em quando gosto de fazer este
exercício. É inquietante concluir que, com o passar dos anos, consigo fazer
melhor os balanços externos do que internos.
É um exercício particularmente
doloroso olharmo-nos ao espelho e desenharmos corretamente, para a nossa
consciência, os caminhos percorridos. Sabemos perfeitamente que vamos tropeçar
nos íntimos e secretos lugares da nossa existência e tememos a recordação fria
e objetiva das nossas falhas. Por isso, há anos que fugimos de nos olhar
através do espelho.
Os balanços forçados, como os de hoje, são
inúteis, mentirosos e arriscam a tornar-se ridículos. Se continuarmos
bovinamente a seguir a cartilha mecânica do calendário arriscamos a que, um dia
destes, a vida nos imponha um balanço à força, onde nenhum truque
contabilístico será permitido.
O melhor a fazer hoje é deixar o corpo
divertir-se, durante umas horas. Deixar a mente balançar gostosamente no largo
oceano das horas que nos transportarão a um novo ano e guardar o fato das
coisas sérias e necessárias para um dia especial e só nosso.
As coisas sérias devem ser tratadas com
seriedade.
Gabriel Vilas Boas
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