Há 420 anos Shakespeare levou à cena uma
das suas mais brilhantes comédias: O Mercador de Veneza. Mais do que fazer rir
o público, Shakespeare consegue escrever um texto sobre a força do amor, da
amizade, da honra, ao mesmo tempo que critica, sem piedade, a rapacidade
(avidez) absurda dos judeus.
Na peça de Shakespeare, encontramos
Pórcia, a rica herdeira de Belmonte (povoação italiana perto de Veneza), que está
preste a casar e ricos pretendentes não lhe faltam. No entanto, para obterem a
sua mão, estes deviam adivinhar em qual dos três potes (ouro, prata, chumbo)
estava escondido o retrato de Pórcia. Diversos pretendentes fracassam na prova,
mas não Basânio, que está enamorado de Pórcia e escolhe o pote de chumbo. No
entanto, o amado de Pórcia, antes de comparecer para a prova e no desejo de se
apresentar convenientemente, pediu dinheiro ao amigo António (o Mercador de
Veneza), o qual, não dispondo da soma necessária na ocasião, a pede emprestada
ao agiota judeu Shylock.
O vilão da peça impõe como condição que,
se António não pagar no prazo estipulado, teria de lhe entregar uma libra da
sua própria carne. Na data do vencimento do empréstimo, António vê-se impossibilitado
de pagar e é detido e encerrado na prisão.
Ao ter conhecimento da notícia, Basânio
corre em socorro do amigo e oferece ao cruel judeu o triplo da dívida de
António, mas o judeu não aceita e, no seu ódio por António, exige ao tribunal
de Veneza o cumprimento do contrato.
Desejosa de salvar o amigo do noivo,
Pórcia apresenta-se em tribunal sob o disfarce de um advogado e declara que
Shylock tem o direito a receber a libra de carne, mas deve ser ele a cortar o
corpo de António, ao mesmo tempo que o avisa que só poderá receber a carne se
não derramar gota de sangue. Desta forma confunde o judeu que, além de se ver
privado da vingança, vê confiscados todos os bens.
Ainda sob disfarce, Pórcia rejeita os três
mil ducados que António e Basânio querem dar-lhe como retribuição dos seus
serviços, mas pede a este último o anel que ela própria lhe havia dado. Sem
nunca reconhecer a sua noiva, Basânio hesita, mas acaba por aceder ao pedido
por insistência de António.
De novo em Belmonte, Pórcia pede ao amado
o anel que lhe havia dado e que ele prometera nunca largar, e este confessa a
sua falta. Cena semelhante passa-se com outro par romântico: Nerissa (criada de
Pórcia) e Graciano (amigo de Basânio). Apesar da aparente fúria das duas belas
mulheres tudo acaba a contento do amor. É então que Jéssica, a filha do judeu
Shylock que havia fugido com o namorado Lorenzo, se vê perdoada e nomeada
herdeira – decisão à qual Shylock se obrigou, em tribunal, por imposição de
Pórcia.
É verdade que a peça de Shakespeare é
feroz com a avidez e maldade dos judeus, destacando o desejo de vingança de
Shylock. Para destacar esta maldade em estado puro,
Shakespeare coloca Shylock a recusar o triplo do pagamento do contrato, mas
fora de prazo, preferindo a libra de carne de António.
Outro elemento fundamental da comédia do
dramaturgo inglês é a vitória do amor sobre as barreiras sociais, económicas,
legais. Não é por acaso que ele personifica o amor nos jovens, pois eles trazem
a ousadia, a determinação, a coragem que compõem o código genético de quem ama.
Devemos ainda destacar, nesta peça, a
defesa de valores nobres como a amizade, o cumprimento da palavra dada, a
coragem.
Todo o texto é uma lição de vida, escrito
numa linguagem elegante e bem-disposta. O rendilhado das palavras de
Shakespeare pode parecer excessivo, mas é apenas epocal e adequado ao elevado nível
social e moral da maioria das personagens.
Com mestria, Shakespeare consegue
arquitetar um peça, onde a progressão temática acompanha a tensão dramática em
crescendo e habilmente importantes indícios são semeados, em aparente descuido, para o espectador/leitor.
Ao ver ou ao ler esta peça, ficamos com muito
mais que um sorriso nos lábios, ficamos com a alma cheia de humanidade.
Gabriel Vilas Boas
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