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terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O MERCADOR DE VENEZA, de Shakespeare


Há 420 anos Shakespeare levou à cena uma das suas mais brilhantes comédias: O Mercador de Veneza. Mais do que fazer rir o público, Shakespeare consegue escrever um texto sobre a força do amor, da amizade, da honra, ao mesmo tempo que critica, sem piedade, a rapacidade (avidez) absurda dos judeus.
Na peça de Shakespeare, encontramos Pórcia, a rica herdeira de Belmonte (povoação italiana perto de Veneza), que está preste a casar e ricos pretendentes não lhe faltam. No entanto, para obterem a sua mão, estes deviam adivinhar em qual dos três potes (ouro, prata, chumbo) estava escondido o retrato de Pórcia. Diversos pretendentes fracassam na prova, mas não Basânio, que está enamorado de Pórcia e escolhe o pote de chumbo. No entanto, o amado de Pórcia, antes de comparecer para a prova e no desejo de se apresentar convenientemente, pediu dinheiro ao amigo António (o Mercador de Veneza), o qual, não dispondo da soma necessária na ocasião, a pede emprestada ao agiota judeu Shylock.

O vilão da peça impõe como condição que, se António não pagar no prazo estipulado, teria de lhe entregar uma libra da sua própria carne. Na data do vencimento do empréstimo, António vê-se impossibilitado de pagar e é detido e encerrado na prisão.
Ao ter conhecimento da notícia, Basânio corre em socorro do amigo e oferece ao cruel judeu o triplo da dívida de António, mas o judeu não aceita e, no seu ódio por António, exige ao tribunal de Veneza o cumprimento do contrato.
Desejosa de salvar o amigo do noivo, Pórcia apresenta-se em tribunal sob o disfarce de um advogado e declara que Shylock tem o direito a receber a libra de carne, mas deve ser ele a cortar o corpo de António, ao mesmo tempo que o avisa que só poderá receber a carne se não derramar gota de sangue. Desta forma confunde o judeu que, além de se ver privado da vingança, vê confiscados todos os bens.

Ainda sob disfarce, Pórcia rejeita os três mil ducados que António e Basânio querem dar-lhe como retribuição dos seus serviços, mas pede a este último o anel que ela própria lhe havia dado. Sem nunca reconhecer a sua noiva, Basânio hesita, mas acaba por aceder ao pedido por insistência de António.
De novo em Belmonte, Pórcia pede ao amado o anel que lhe havia dado e que ele prometera nunca largar, e este confessa a sua falta. Cena semelhante passa-se com outro par romântico: Nerissa (criada de Pórcia) e Graciano (amigo de Basânio). Apesar da aparente fúria das duas belas mulheres tudo acaba a contento do amor. É então que Jéssica, a filha do judeu Shylock que havia fugido com o namorado Lorenzo, se vê perdoada e nomeada herdeira – decisão à qual Shylock se obrigou, em tribunal, por imposição de Pórcia.


É verdade que a peça de Shakespeare é feroz com a avidez e maldade dos judeus, destacando o desejo de vingança de Shylock. Para destacar esta maldade em estado puro, Shakespeare coloca Shylock a recusar o triplo do pagamento do contrato, mas fora de prazo, preferindo a libra de carne de António.

Outro elemento fundamental da comédia do dramaturgo inglês é a vitória do amor sobre as barreiras sociais, económicas, legais. Não é por acaso que ele personifica o amor nos jovens, pois eles trazem a ousadia, a determinação, a coragem que compõem o código genético de quem ama.
Devemos ainda destacar, nesta peça, a defesa de valores nobres como a amizade, o cumprimento da palavra dada, a coragem.
Todo o texto é uma lição de vida, escrito numa linguagem elegante e bem-disposta. O rendilhado das palavras de Shakespeare pode parecer excessivo, mas é apenas epocal e adequado ao elevado nível social e moral da maioria das personagens.
Com mestria, Shakespeare consegue arquitetar um peça, onde a progressão temática acompanha a tensão dramática em crescendo e habilmente importantes indícios são semeados, em aparente descuido, para o espectador/leitor.
Ao ver ou ao ler esta peça, ficamos com muito mais que um sorriso nos lábios, ficamos com a alma cheia de humanidade.

Gabriel Vilas Boas

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