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sexta-feira, 13 de abril de 2018

A GUERRA FRIA ESTÁ DE REGRESSO?


António Guterres declarou, há pouco, no Conselho de Segurança da ONU, a propósito de mais um ataque químico ao povo sírio, que a Guerra Fria está de volta.
Percebo as afirmações do secretário-geral da ONU, o seu sentimento de impotência, raiva, medo em relação ao que se passa na Síria e a dificuldade em engolir o cinismo, a desumanidade, o descaso dos principais responsáveis mundiais. No entanto, a Guerra Fria foi (e é) outra coisa. Para haver Guerra Fria, tal como aconteceu quando o conceito nasceu, a informação não circulava com a facilidade com que hoje circula, os povos não estavam tão bem informados como hoje estão nem as opiniões públicas eram tão poderosas como as da atualidade. Por outro lado, o nível cultural, social, político e estratégico dos principais líderes mundiais era superior e não roçava a infantilidade como hoje acontece, em alguns casos. Talvez por isso o mundo corra mais riscos agora do que no passado.

A Guerra Fria foi um tempo em que os espiões eram determinantes e o jogo tático e estratégico, a nível político e militar, era altíssimo. Hoje nada disso acontece. Há reações por impulso, de gente absolutamente impreparada, assim como há vários líderes mundiais que não detêm o poder de outrora, apesar de os seus países continuarem a ser considerados muito importantes.
Por outro lado, em meados do século XX, época áurea da Guerra Fria, o poder estava concentrado nos políticos e nos militares; hoje em dia, quem manda na economia, quem detém bancos, seguradoras, multinacionais, empresas cotadas em bolsa exerce uma força muito maior sobre presidentes e primeiros-ministros.

Isso deixa-nos descansados quanto a uma possível nova guerra mundial? Não, mas, a acontecer, ela terá lugar em moldes bem diferentes dos do passado: num qualquer território pobre, abandonado, sem grandes hipóteses de se estender aos territórios das forças beligerantes. Algo parecido com aquilo que se passa hoje na Síria, onde todos parecem mais interessados em experimentar o seu armamento militar, químico, quiçá atómico, numa demonstração canibal de força, do que em devolver aos que restam daquele povo o seu território esfrangalhado.
Não é a Guerra Fria que está de volta, mas os jogos de guerra, transferidos do computador e da televisão para a realidade, e jogados por líderes irresponsáveis como Trump, cínicos como Putin ou maquiavélicos como Bashar al-Assad e Erdogan.
GAVB

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

UM BILHETE POSTAL SÍRIO



Querido Pai Natal
Escrevo-te não para te pedir algo, mas para te agradecer. Agradecer o extraordinário dom de estar vivo e ter junto de mim a minha família.
Há meses, eu e a minha mulher tivemos de tomar a decisão mais difícil das nossas vidas: reunir a totalidade das nossas economias e pagar a um traficante do medo humano uma viagem de barco, para atravessar o mar mediterrâneo, de maneira que pudéssemos ficar a salvo autoproclamado Estado Islâmico. Foi uma decisão difícil e arriscada, pois não tínhamos muito dinheiro e sabíamos que viajaríamos em condições muito inseguras. Nunca senti tanta angústia como naquelas longas horas em que baloiçámos ao sabor das ondas do destino, num bote a abarrotar de gente perdida e desesperada. Famílias inteiras, como nós, que arriscavam a sua vida e dos seus filhos, numa desesperante tentativa de fugir da morte que todos os dias os senhores da guerra nos prometiam certa.

Miraculosamente chegámos à europa do sul, onde fomos acolhidos com algum afeto, mas logo nos disseram que não podíamos ficar. Não tinham lugar para nós. Por isso, tive de explicar às minhas filhas que teríamos de caminhar por estradas desconhecidas, subir montanhas, comendo apenas uma vez por dia.
Passámos por diversas cidades e alguns países. A minha filha mais velha (tem nove anos) não compreendia o ódio, o desprezo, a raiva, com que nos trataram na Hungria. Não nos queriam e fizeram questão de no-lo demonstrar, tratando-nos como animais perigosos. Na Eslovénia também já nos tinham dito que não tinham nada para nos oferecer e trataram de nos apressar o passo.

À medida que os dias passavam, a descrença e a desilusão apossavam-se de mim. Com poderia ser esta a europa da liberdade, da defesa dos direitos humanos, da fraternidade e da solidariedade que via e lia na internet? Falo mal inglês, mas entendia o suficiente para perceber quanto desprezíveis éramos para os europeus. Que desilusão, Pai Natal!
Eu que andei anos a contar às minhas filhas que aqui, na tua terra, tudo era diferente: não havia pessoas más; não havia fome, nem desprezo nem ódio. Todavia, só quando chegámos a Viena de Áustria é que podemos sentir alguma fraternidade no olhar das pessoas.

A cidade era linda, com os seus monumentos, as suas igrejas, os seus teatros. Parecia um paraíso, onde tudo funcionava perfeitamente. Nós éramos a novidade!
Em cada dia que passava, chegavam mais imigrantes sírios. Famílias inteiras como nós! Apesar de toda a boa vontade austríaca, percebi imediatamente que apenas nos poderiam oferecer auxílio de emergência. Não seria fácil sair do nosso acampamento de refugiados e encontrar emprego e normalizar a nossa vida. A língua também era um problema e as nossas filhas estavam cada vez mais silenciosas, tristes, sem esperança.
Até que nos primeiros dias do outono, uma caravana de anjos, certamente requisitados por ti, surgiu com os seus trenós modernos multicolores e puxados a potentes renas. Abeiraram-se de nós e, pela primeira vez, em muitas semanas, as minhas filhas voltaram a sorrir. Falavam delicadamente, sorriam com doçura e propuseram-nos um pequeno paraíso: viajar para Portugal, onde nos esperava uma casa, comida, roupa, um emprego para mim, e escola para as nossas filhas mais velhas.
Nem sabia onde ficava Portugal, mas aquela generosidade, deixou-me de lágrimas nos olhos e só podia aceitar. Disse-lhes que sim várias vezes, e de todas as maneiras que o meu corpo conseguia expressar o nosso agradecimento.

Quando chegámos a Lisboa e depois à pequena cidade nos seus arredores onde vive a família que nos acolheu, percebi que se tratava de um país com dificuldades económicas. No entanto, eles fizeram questão de nos integrar rapidamente e providenciar para que nada nos faltasse.
Entretanto passaram dois meses e ontem chegaram os primeiros refugiados oficiais a esta terra que passei a amar como minha. Estou certo que ouvirei novamente a nossa querida língua, embora o português me soe maravilhosamente.
Ao contrário do que cheguei a temer, este ano passaremos um Natal feliz, em paz e em família. Ganhámos novos amigos e revimos outros que julgávamos perdidos. Daqui a uma semana é o Natal. Não te peço nada! Agradeço-te os anjos que me enviaste a Viena, onde agora a neve cai e as igrejas se enchem de belas canções de Natal.
 Em Viena, Budapeste ou Berlim, não te canses de enviar os teus presentes em forma de humanidade e generosidade, aos meus conterrâneos.  

Ali, um sírio abençoado

sexta-feira, 22 de maio de 2015

RUÍNAS DE PALMYRA, NA SÍRIA


Quando no século VII, os árabes muçulmanos entraram em Palmyra, a cidade das Palmeiras, as grandiosas ruínas desta urbe, no oásis, colocaram-lhes uma série de questões.
Quem edificara tão poderosa arquitetura com as suas numerosas colunas? Acharam que dificilmente se poderia atribuir a mão humana tão grandiosa obra, daí que se pensasse no bíblico rei Salomão como construtor, de quem se julgava ter espíritos demoníacos às suas ordens. Esta crença prolongou-se até ao século XX.

O Ocidente redescobriu Palmyra por volta de 1620, através do italiano Pietro de la Valle. A grandiosidade das suas ruínas sempre causou um grande impacto entre os visitantes, e muitos deles teceram as mais variadas considerações acerca de como Palmyra havia chegado àquele estado.
Desde tempos imemoriais que o oásis a que os Árabes chamam Tadmur oferecia uma fonte abundante de água potável, tornando possível a vida em pleno deserto. E durante o século I a.C., com o poder nas mãos de abastadas famílias de mercadores, Palmyra ascendeu a um estatuto de metrópole do deserto. Caravanas de camelos transportavam até aqui mercadorias da China, Arábia e Índia, e partiam de Palmyra com produtos oriundos de vários pontos do império romano. Graças aos tributos que lhe era imposto, este rendoso comércio encheu os cofres da famosa Cidade das Palmeiras.

A sua riqueza tomou forma numa impressionante arquitetura monumental, que contrasta com a aridez do deserto circundante, dando-lhe ainda um encanto suplementar.
Contemplando o oásis em 1917, o arqueólogo alemão Wiegrand referiu entusiasmado: “Palmyra é a paisagem heróica mais grandiosa que alguma vez vi na minha vida”.
A realização arquitetónica mais importante da cidade era o Templo de Baal, um antigo deus sírio considerado como o senhor dos céus. Esta maravilha da arte sacra, cuja edificação exigiu mais de um século, era cercada por uma imponente muralha. Quem a pretendesse contornar teria de percorrer mais de um quilómetro.    
No centro do recinto sagrado erguia-se o templo do deus, construído sobre um pódio e cercado de colunatas.
Apesar de a arquitetura seguir o cânone grego, o rito manteve-se estritamente oriental, representando, de algum modo, a união entre o oriente e o ocidente.

A grande via de colunas, com a sua porta de arco e o tetrápilo diverge do modelo greco-romano, devido às suas múltiplas mudanças de direção.
Apesar da adoção das regras clássicas, os habitantes de Palmyra permitiram-se uma certa abertura em termos urbanísticos. Templos consagrados a Nabu, deus mesopotâmico da sabedoria e da arte da escrita, ou a Baal Chamim, integram-se num reticulado de ruas que seguem o modelo grego.
Fontes ornamentais, termas e um teatro eram lugares de receção à moda mediterrânea.
Da “espargata cultural” da cidade de Palmyra no oásis dá testemunho o acampamento de Diocleciano, na parte oeste da cidade: no centro deste campo bélico com blocos de casernas, terreiro de paradas e um santuário de militar, erguia-se um templo dedicado à antiga deusa árabe, Allat.

A autonomia política foi sempre uma preocupação menor de Palmyra, comparada com a busca da independência económica. Contudo, depois de se ter separado de Roma, e, mediante campanhas vitoriosas, ter alargado as fronteiras do seu reino até ao Egito e à Anatólia Central, a rainha Zanóbia reclamou para o filho o título de imperador romano. A esta reivindicação, Roma respondeu com um contra-ataque: em agosto de 273, Palmyra foi saqueada e destruída e a poderosa rainha foi feita prisioneira e levada à força para Roma.
Seguiram-se centenas de anos de um certo adormecimento, antes de Palmyra se converter, nos séculos XVIII e XIX, num local de peregrinação para exploradores românticos e arqueólogos amadores.

Em 1980 as Ruínas de Palmyra, na Síria, foram classificadas como Património da Humanidade, dada a sua importância como um dos mais relevantes centros culturais da Antiguidade. Há dois dias, o autoproclamado Estado Islâmico tomou o controle total de Palmyra, fazendo todo o mundo temer pela integridade de um dos mais belos e bem preservados tesouros arquitetónicos do Médio Oriente.