António Guterres declarou, há
pouco, no Conselho de Segurança da ONU, a propósito de mais um ataque químico
ao povo sírio, que a Guerra Fria está de volta.
Percebo as afirmações do
secretário-geral da ONU, o seu sentimento de impotência, raiva, medo em relação
ao que se passa na Síria e a dificuldade em engolir o cinismo, a desumanidade,
o descaso dos principais responsáveis mundiais. No entanto, a Guerra Fria foi
(e é) outra coisa. Para haver Guerra Fria, tal como aconteceu quando o conceito
nasceu, a informação não circulava com a facilidade com que hoje circula, os
povos não estavam tão bem informados como hoje estão nem as opiniões públicas
eram tão poderosas como as da atualidade. Por outro lado, o nível cultural,
social, político e estratégico dos principais líderes mundiais era superior e
não roçava a infantilidade como hoje acontece, em alguns casos. Talvez por isso o mundo corra mais riscos agora do que no passado.
A Guerra Fria foi um tempo em que
os espiões eram determinantes e o jogo tático e estratégico, a nível político
e militar, era altíssimo. Hoje nada disso acontece. Há reações por impulso, de
gente absolutamente impreparada, assim como há vários líderes mundiais que não
detêm o poder de outrora, apesar de os seus países continuarem a ser
considerados muito importantes.
Por outro lado, em meados do
século XX, época áurea da Guerra Fria, o poder estava concentrado nos
políticos e nos militares; hoje em dia, quem manda na economia, quem detém
bancos, seguradoras, multinacionais, empresas cotadas em bolsa exerce uma força
muito maior sobre presidentes e primeiros-ministros.
Isso deixa-nos descansados quanto
a uma possível nova guerra mundial? Não, mas, a acontecer, ela terá lugar em
moldes bem diferentes dos do passado: num qualquer território pobre, abandonado,
sem grandes hipóteses de se estender aos territórios das forças beligerantes.
Algo parecido com aquilo que se passa hoje na Síria, onde todos parecem mais
interessados em experimentar o seu armamento militar, químico, quiçá atómico, numa
demonstração canibal de força, do que em devolver aos que restam daquele povo o
seu território esfrangalhado.
Não é a Guerra Fria que está de
volta, mas os jogos de guerra, transferidos do computador e da televisão para a
realidade, e jogados por líderes irresponsáveis como Trump, cínicos como Putin ou
maquiavélicos como Bashar al-Assad e Erdogan.
GAVB
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