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sábado, 14 de abril de 2018

NUNCA ESTÁ EM CASA NEM QUER ESTAR


       
   Rita é uma mulher ativa. Além do emprego gosta de se envolver em várias atividades, do voluntariado às ações culturais. Exibe um sorriso perfeito, mas há nele qualquer coisa de frio e falso, como transportasse um segredo triste, que tenta afastar do coração à custa de tanta atividade.

         Guilherme, o marido de Rita, também não para em casa. Depois do trabalho, sai, frequentemente, à noite, para beber um copo com os amigos, ver um jogo de futebol ou, ocasionalmente, ir ao teatro. Rita não gosta de teatro e por isso é perfeitamente aceitável que ele vá sozinho. Só muito ocasionalmente as agendas de ambos coincidem, no entanto nenhum se aborrece com tamanha dessincronização.
O fim-de-semana dos dois também é socialmente preenchido e por isso passam semanas em que se cumprimentam cordialmente ao deitar e levantar, como dois burocratas do casamento, conversam o tempo indispensável para estarem a par da vida um do outro e… partem para os seus fabulosos mundos.

 A casa e a sua mecânica deixou de lhes interessar, mas evitam-na, porque se querem evitar.
Os dois já intuíram que o desinteresse é recíproco, todavia o que falta em coragem sobra em ardilosas desculpas.

A casa não está desarrumada nem tem tralha inútil, no entanto é-lhes desconfortável, porque Rita e Guilherme sabem que ela pressupõe uma fusão sentimental que já não conseguem. Passar da simpatia ao afeto como da conjugação de interesses à cumplicidade exige uma química que se evaporou.
Ainda que não se tenham apercebido disso, a verdade não é que não estão em casa por estarem ocupados, mas sim estão ocupados para não estarem em casa. E não estão em casa, porque a casa é um espaço de intimidade, amor, cumplicidade e verdade. Por isso preferem aquela espécie de fuga da realidade.
Fugir da realidade é inútil, porque ela encontra-nos quase sempre. Para organizarmos a vida precisamos do mesmo que para arrumar uma casa: tempo e coragem. Quando combinamos estes dois fatores em doses certas há uma série de tralha que sai das gavetas.

Isto não é uma visão muito racional das coisas e nós somos movidos a emoções? Em certos momentos, precisamos de ser corajosamente racionais para que as emoções possam fluir com verdade.
GAVB

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