Guilherme, o
marido de Rita, também não para em casa. Depois do trabalho, sai, frequentemente, à noite, para beber um copo com os amigos, ver um jogo de futebol ou,
ocasionalmente, ir ao teatro. Rita não gosta de teatro e por isso é
perfeitamente aceitável que ele vá sozinho. Só muito ocasionalmente as agendas
de ambos coincidem, no entanto nenhum se aborrece com tamanha dessincronização.
O fim-de-semana dos dois também é
socialmente preenchido e por isso passam semanas em que se cumprimentam
cordialmente ao deitar e levantar, como dois burocratas do casamento, conversam
o tempo indispensável para estarem a par da vida um do outro e… partem para
os seus fabulosos mundos.
A casa e a sua mecânica deixou de lhes
interessar, mas evitam-na, porque se querem evitar.
Os dois já intuíram que o
desinteresse é recíproco, todavia o que falta em coragem sobra em ardilosas
desculpas.
A casa não está desarrumada nem
tem tralha inútil, no entanto é-lhes desconfortável, porque Rita e Guilherme
sabem que ela pressupõe uma fusão sentimental que já não conseguem. Passar da
simpatia ao afeto como da conjugação de interesses à cumplicidade exige uma
química que se evaporou.
Ainda que não se tenham
apercebido disso, a verdade não é que não estão em casa por estarem ocupados,
mas sim estão ocupados para não estarem em casa. E não estão em casa, porque a
casa é um espaço de intimidade, amor, cumplicidade e verdade. Por isso preferem
aquela espécie de fuga da realidade.
Fugir da realidade é inútil,
porque ela encontra-nos quase sempre. Para organizarmos a vida precisamos do
mesmo que para arrumar uma casa: tempo e coragem. Quando combinamos estes dois
fatores em doses certas há uma série de tralha que sai das gavetas.
Isto não é uma visão muito
racional das coisas e nós somos movidos a emoções? Em certos momentos,
precisamos de ser corajosamente racionais para que as emoções possam fluir com
verdade.
GAVB
Sem comentários:
Enviar um comentário