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sábado, 31 de janeiro de 2015

PEDOFILIA E CASA PIA


Há onze anos a sociedade portuguesa sofreu um autêntico abalo sísmico com a prisão de Carlos Cruz, Jorge Ritto, Ferreira Dinis, Hugo Marçal, Carlos Silvino, entre outros, acusados pelo Ministério Público do crime de pedofilia sobre crianças e adolescentes à guarda da Casa Pia de Lisboa.
Ao fim de sete anos, após uma longuíssima batalha jurídica, os principais arguidos foram condenados, o que acabou por sancionar, no essencial, as prisões preventivas iniciais e o julgamento popular, feitos pelos media, que cravou em Carlos Cruz e restantes arguidos o carimbo de pedófilos.

Agora que a poeira definitivamente assentou, é possível perceber que este foi um processo doloroso, mas essencial para o sistema judiciário português e também para a democracia, pois um dos pilares fundamentais do nosso sistema é a independência da justiça.
Portugal enfrentou um dos fantasmas mais duros da era democrata: um dos seus ídolos televisivos – Carlos Cruz -  era acusado de pedofilia e havia provas mais ou menos concludentes que o deixavam em maus lençóis. É difícil aceitar que uma pessoa com quem simpatizamos cometeu um crime tão odioso, mas havia um bem superior a defender: a verdade e a dignidade daqueles jovens que sofreram abusos e maus tratos, que os marcaram para toda a vida.
Olho para o processo e retenho o essencial: aqueles menores e outros foram abusados reiteradamente durante anos; alguns dos crimes imputados aos arguidos foram efetivamente cometidos por eles; as condenações pareceram-me justas e equilibradas; alguma da dignidade das vítimas foi resgatada; no final, houve um generalizado sentimento de justiça.


Neste sentido, deste processo resulta uma vitória da Justiça em Portugal. Poderosos foram apontados, julgados e condenados. O país foi coeso na afirmação dos seus valores fundamentais, mesmo que isso tivesse custado uma grande desilusão coletiva.
Foi muito importante ter-se ido até ao fim com o processo e proceder a condenações que não pareceram forçadas. Um médico, um embaixador, um advogado, um apresentador televisivo famoso foram condenados, mostrando que a justiça também se aplicava a quem era rico e influente, mesmo quando do outro lado estavam jovens com baixo estatuto social.

Claro também houve erros e excessos. Os mais relevantes e chocantes pareceram-me o julgamento popular e o excessivo tempo que o processo demorou em tribunal. Aceito que o tempo da justiça nunca possa ser o tempo dos media, mas este processo mostrou que a justiça tem de se tornar mais célere para não lançar lama sobre o carácter e a honorabilidade dos cidadãos. Desta vez quem usou todas as escapatórias da lei para adiar o processo saiu a perder, porque viu os tribunais confirmarem o que televisões e jornais nos impuseram, no entanto, nem sempre será assim.
Não é bom que o Correio da Manhã e a TVI tenham de fazer o papel de justiceiros, rompedores dum status quo que protege quase sempre os poderosos. Os excessos de uns são tão condenáveis como as omissões de outros. É preciso aprender, efetivamente, com o que se fez mal neste processo, para que a sociedade possa ter confiança e se orgulhe nas decisões dos tribunais.
Gabriel Vilas Boas  


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