“O pintor não deve
pintar somente aquilo que vê exteriormente, mas sim o que descobre sobre si
próprio. E se não vê nada em si próprio, mais vale que deixe de pintar o que
tem à sua frente. Caso contrário, os seus quadros seriam como esses biombos,
atrás dos quais só se espera encontrar doentes ou, inclusivamente, mortos.” Caspar
David Friedrich
Caspar
David Friedrich (1774-1840) foi uma figura de destaque na pintura romântica
alemã. Pintor de cavalete, é profícuo no retrato e em conceções muito
particulares da Natureza. Natural de Greiswald, Alemanha do Norte, este é o
pintor da subjetividade e da poética da Natureza.
Exímio
na pintura de paisagem, mas de uma paisagem inebriada de sentimento e
espiritualidade, vai deixar-nos cenários de exceção, como sejam as colinas da Saxónia
ou o litoral do Báltico, com as suas
escarpas e precipícios rochosos, num claro convite para o abismo.
Marcadamente
individualista, os Românticos isolam-se para questionar Deus, o Mundo, o seu
próprio destino…esperam revelações fatais, extraordinárias…
Impossível
a calma, a serenidade. Estas obras denotam exaltação dos sentidos, a
exacerbação absolutamente passional do mundo, dos homens, das causas. A ideia
da Morte obcecava-os e morrer por um amor impossível ou pela causa da Liberdade era um impulso
exageradamente estimulante. Daí, a representação da noite, tão ao gosto
romântico, numa prefiguração da Morte. Daí, a fuga da realidade e o mergulho no
mistério, na neblina, nas trevas ou no passado longínquo como o era a Idade
Média, que vira afirmarem-se as diferentes nacionalidades europeias.
Na
obra com que vos deixo hoje e que pode ser apreciada em Hamburgo, Friedrich
constrói o verdadeiro herói romântico.
Kunsthalle,
Hamburgo
Este é um dos maiores
museus de arte da Alemanha fazendo parte da sua coleção pintura holandesa do
séc. XVII, incluindo obras do grande Rembrandt, pintura do Romantismo alemão,
como as obras de Runge e Friedrich, passando pelo Impressionismo e pelo
Modernismo clássico.
É também importante o
acervo de Arte Contemporânea (Pop Art, Arte Conceptual, Vídeo e Fotografia).Mas
hoje, deixemo-nos envolver pelo Romantismo de Friedrich.
Mergulhemos no Viajante Diante de um Mar de Neblina;
neste óleo sobre tela, a figura principal aparece representada de costas e
apenas temos uns loiros cabelos revoltos a deixar voar a nossa imaginação. Que
feições nos esconde o pintor? Suaves, ou marcadas de rugas inglórias por
constantes desilusões? Que vencido da vida é este homem que nos volta as costas
e não nos enfrenta com ousadia? Usando um elegante sobretudo verde, apenas o
bordão de viajante nos leva a pensar na solitária e perigosa caminhada pela
encosta grandiosa e mística. A neblina deixa-nos adivinhar a alma da personagem
representada, envolvida pela tempestade representada em paisagem de tons ácidos
e frios, a começar pelo céu inundado de nuvens…
Que
batalhas se travam ali? Que fascínio atrai a personagem para o encontro fatal
com a solidão? Que ausências magoam e ferem de morte aquela silhueta esguia? Que
visão metafísica procura? Ou sonha apenas momentos vividos?
Soubera
eu responder…
Viajante Diante de um
Mar de Neblina, Caspar David Friedrich,1818, (Kunsthalle, Hamburgo)
Como não sei,
deixo-vos airosamente com uma poesia de Garrett, como sabem, também ele um
fervoroso romântico. Haveriam de se entender e de ser amigos, estes dois.
Quando eu sonhava
Quando eu sonhava, era assim
Que nos meus sonhos a via;
E era assim que me fugia,
Apenas eu despertava,
Essa imagem fugidia
Que nunca pude alcançar.
Agora,que estou desperto.
Agora a vejo fixar…
Para quê?-quando era vaga,
Uma ideia, um pensamento,
Um raio de estrela incerto
No imenso firmamento,
Uma quimera, um vão sonho,
Eu sonhava-mas vivia:
Prazer não sabia o que era,
Mas dor, não na conhecia…
Almeida
Garrett, Folhas Caídas
Rosa Maria Fonseca
Sem comentários:
Enviar um comentário