Apesar da sua irrelevância
histórica, Inês de Castro é, provavelmente, a figura feminina da História de
Portugal que os portugueses mais conhecem. Esse pedestal de notoriedade deve-o
a Camões, que lhe dedicou, n’Os Lusíadas, um dos mais belos episódios da
literatura portuguesa, fazendo, da jovem e belíssima amante do rei D. Pedro, o
grande ícone do Amor e da Paixão na literatura e na história portuguesas.
É inegável que a aia de D.
Constança marcou os reinados de D. Afonso IV e de seu filho, D. Pedro, mas foi Camões que a imortalizou, em longos versos decassilábicos, onde o êxtase poético é completamente
atingido.
Não há episódio que melhor
os alunos aprendem, quando estudam Os
Lusíadas, não há figura histórica que melhor assinale os meados do século XIV.
Camões transformou a vilã
sedutora, que enfeitiçou o príncipe herdeiro, em vítima inocente, que pagou, com a
própria vida, a força cruel dum amor-paixão, que a submeteu sem piedade.
Na verdade, Inês de Castro
pertence muito mais ao universo da literatura do que ao mundo da história, mas
é lá que a quero colocar hoje. Passam precisamente seiscentos e sessenta anos sobre
esse dia fatídico em que os carrascos reais cumpriram a ordem de D. Afonso IV e
assassinaram D. Inês de Castro.
Os tempos que se seguiram
provariam que aquela não era "mais uma amante" do príncipe que, por infortúnio,
tinha engravidado. Inês era o amor da vida de D. Pedro. Por ela, o futuro rei
se revoltaria, furioso, contra o pai; por ela, D. Pedro nunca mais casou; por ela,
quis fazer, duma morta, rainha e, insano, obrigou a nobreza do reino ao beija-mão
mais macabro da História de Portugal.
Se a década em que o
justiceiro governou Portugal ficou psicologicamente impregnada pela sombra da
morta de Inês, o final do reinado de D. Afonso IV não fugiu também a esse
anátema.
Inês foi sempre a
verdadeira rainha ausente de D. Pedro e duzentos anos após a sua morte, Camões
tornou-a no ícone literário do amor e da paixão que inspirou poetas,
dramaturgos e romancistas até aos dias de hoje.
Inês é o rodapé mais
valioso da História de Portugal. É ela que nos faz olhar com outra atenção para
os aqueles monótonos reinados de Afonso IV e D. Pedro, onde a primeira dinastia
dava os suspiros, mas não sabia!
Inês de Castro é a quente impressão
digital do Amor na aridez da História.
Gabriel Vilas Boas
Excelente texto sobre a "mísera e mesquinha/ que despois de morta foi rainha", ou, como fiz o Poeta logo no início, aquela "que por obras valerosas/ se vai da lei da morte libertando". Mas Inês, além de eternizar momentos da história, imortalizou também lugares. Um deles é naturalmente Coimbra e a célebre Fonte dos Amores:"Vede que fresca fonte rega as flores/ Que lágrimas são a água e o nome Amores". Um outro lugar indiretamente associado a Inês é o Jarmelo, nas imediações da Guarda.O Jarmelo, com o seu famoso castro fortificado desde a Idade do Ferro, sobreviveu ao período romano e à Idade Média, mas não à ira de D. Pedro, que destruiu a povoação e mandou salgar os campos, por ser terra de Pêro Coelho, um dos assassinos de Inês de Castro. Ali, em 2005,Rui Miragaia fez um interessante conjunto escultórico alusivo à morte de Inês, baseando-se na descrição camoniana. Vale mesmo a pena visitar.
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