Estreou
há dois dias nas salas de cinema portuguesas “American Sniper”, de Clint Eastwood e aquilo que mais me intriga
neste película do renomado realizador e ator americano é como é que este filme
conseguiu arrecadar seis nomeações para os Óscares, entre as quais o de melhor
filme, melhor ator e melhor argumento adaptado.
O
filme baseia-se na história verídica de Chris Kyle, um lendário sniper norte-americano
da guerra do Iraque, um soldado que matou mais de duzentas pessoas e se tornou
uma lenda por nunca falhar o alvo.
E
começa aqui o primeiro tiro falhado do filme do consagrado Eastwood. O filme
valoriza a arte de matar! Não há nada de mais errado, civilizacionalmente. Kyle
recebeu condecorações, foi tratado como um herói americano porque pôs o seu
extraordinário dom de atirador ao serviço da morte. Isso não me atrai, pelo
contrário, repugna-me. Esta banalização do mal, da morte alheia, como se matar
fosse bom, cria um tipo de mentalidade humana que torna o ser humano vazio,
infeliz, antissocial. É por isso, que o herói americano não sabe o que há de
fazer quando não tem de matar.
Não
é a velha história do trauma de guerra, do homem que larga a guerra, mas,
coitadinho, a guerra não o larga a ele, que o filme tenta vender. No meu
entendimento, é toda uma mentalidade tão tipicamente americana e tão
tipicamente conservadora que explica o falhanço pessoal na vida deste” herói”
da morte.
Bradley
Cooper teve um desempenho competente na interpretação duma personagem banal. O
herói da guerra do Iraque tinha uma história de vida igualzinha à de muitos
americanos que acham que é muito patriótico matar os maus que afrontam a grande
América, estejam eles no Vietname ou no Iraque: cresceu com o modelo do cowboy
que conhece uma rapariga num bar noturno; assiste ao 11 de setembro pela TV,
alista-se na marinha e vai para o Iraque salvar a honra da América matando em
série.
Clint
Eastwood prometera ao pai de Kyle que faria um filme que não mancharia a sua
reputação. Bradley Cooper comprou os direitos de autores da “Autobiografia do
Atirador Mais Letal da História” com o fito de vestir a pele do protagonista,
tentando legendar-se na tela como o seu herói se tornou famoso no Iraque a
matar gente. Os americanos adoram heróis à Rambo, porque na América republicana
e conservadora o patriotismo também se mede pela quantidade de balas que se
enfia no peito do inimigo. De facto, há uma parte dos EUA que ainda não saiu do
tempo dos índios e cowboys, o que é uma pena.
Desgraçadamente,
este filme é muito real e usa muito pouco a ficção. Bradley chegou mesmo a
afirmar com orgulho bacoco “Não tivemos de criar nada com a nossa imaginação,
literalmente nada”. Por vezes, a verdade é muito insípida para o cinema e por
isso quase nunca ela serve o drama.
O
problema deste herói é que ele tinha muito pouco de humano. Quando em contexto
de paz, quando em família ou entre amigos, ele era banal.
Tenho
muita pena que Clint Eastwood não tenha abordado esta insipidez pelo ângulo que
me parece mais óbvio, à luz do mundo que queremos livre, solidário, fraternal: a
arte de matar mata a humanidade que existe em cada um dos nossos mais nobres
sentimentos.
Gabriel
Vilas Boas
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