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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

MARX NA BAIXA


Neste fim-de-semana regressei ao anfiteatro da Quinta da Caverneira, na Maia, para assistir à peça de teatro “Marx na Baixa”, tradução/adaptação do texto dramático “Marx in Soho” de Howard Zinn, escrito em 1999. Não conhecia a peça nem o ator que lhe deu corpo, mas tinha uma enorme curiosidade em relação a ambos e as expectativas não saíram defraudadas, antes pelo contrário.
O teatro moderno faz-se de poucos recursos, o que resulta em propostas teatrais com produções minimalistas, onde atores e texto têm de mostrar toda a sua valia. Foi o que aconteceu neste caso. A peça do americano Zinn é extraordinária quer na criação dramática quer na defesa dos ideais marxistas, ao mesmo tempo que revela o lado humano e intimista de Marx. André Levy, único ator em palco, tem uma atuação soberba durante oitenta minutos, onde revela um Marx verdadeiro, irascível e brilhante, que vê morrer três filhos em condições miseráveis mas que nunca perdeu a esperança num mundo melhor. Um Marx que defende as suas ideias e prova como estavam certas à luz dos acontecimentos de hoje! Talvez por isso ele pergunta ao espetador em tom de desafio: Se Marx está morto, qual a necessidade de afirmar, recorrentemente, que as ideias marxistas estão mortas?

Com suave ironia, Marx vai desmontando uma a uma as acusações que lhe eram feitas, defendo o seu “Das Kapital”, aceitando algumas críticas, mas reafirmando o essencial da teoria. André Levy pegou, várias vezes, nos jornais portugueses dos nossos dias para nos interrogar sobre a morte das ideias marxistas, sobre a nossa satisfação com este sistema capitalista, sobre o logro em que vivemos e de que Marx nos prevenira.
Nesse sentido, a peça que Mafalda Santos encenou é declaradamente política. Como André Levy referiu, num breve diálogo com os espectadores que encheram a sala, o teatro não pode nem deve ficar indiferente à realidade política. Eu acrescento: nem deve ter fantasmas!
A peça de Howard Zinn reabilita o marxismo e revela Marx na intimidade, o que dá um colorido inesperado à peça. Nela vemos o Marx que bebe cerveja e sofre de furúnculos, permanentemente exiliado e procurado pela polícia, que ama a mulher Jenny mas está frequentemente desempregado e sem dinheiro para sustentar os filhos.



Em suma, no seu animado monólogo, Karl Marx partilha com o público detalhes da sua vida íntima, comenta grandes acontecimentos históricos da sua época, imiscui-se provocadoramente na nossa, apresenta-nos personagens deliciosas, como o anarquista Bakunin, a revolucionária Eleonor ou o potencial burocrata Pieper.
Howard Zinn diz que esta não era uma peça sobre política, mas uma peça sobre Marx. É essa subtileza que confere a “Marx na Baixa” a força e a grandiosidade necessárias para que ninguém fique indiferente a este Marx, ora embalado pela esperança, ora comido pela culpa, ora aniquilado pela tristeza, ora incendiado pela raiva…


Gabriel Vilas Boas

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