Neste fim-de-semana
regressei ao anfiteatro da Quinta da Caverneira, na Maia, para assistir à peça
de teatro “Marx na Baixa”, tradução/adaptação
do texto dramático “Marx in Soho” de Howard Zinn, escrito em 1999. Não conhecia a peça
nem o ator que lhe deu corpo, mas tinha uma enorme curiosidade em relação a
ambos e as expectativas não saíram defraudadas, antes pelo contrário.
O teatro moderno faz-se de poucos recursos, o que resulta em propostas teatrais com produções
minimalistas, onde atores e texto têm de mostrar toda a sua valia. Foi o que
aconteceu neste caso. A peça do americano Zinn é extraordinária quer na criação
dramática quer na defesa dos ideais marxistas, ao mesmo tempo que revela o lado
humano e intimista de Marx. André Levy, único ator em palco, tem uma atuação
soberba durante oitenta minutos, onde revela um Marx verdadeiro, irascível e
brilhante, que vê morrer três filhos em condições miseráveis mas que nunca
perdeu a esperança num mundo melhor. Um Marx que defende as suas ideias e prova
como estavam certas à luz dos acontecimentos de hoje! Talvez por isso ele
pergunta ao espetador em tom de desafio: Se
Marx está morto, qual a necessidade de afirmar, recorrentemente, que as ideias
marxistas estão mortas?
Com suave ironia,
Marx vai desmontando uma a uma as acusações que lhe eram feitas, defendo o seu “Das
Kapital”, aceitando algumas críticas, mas reafirmando o essencial da teoria. André
Levy pegou, várias vezes, nos jornais portugueses dos nossos dias para nos
interrogar sobre a morte das ideias marxistas, sobre a nossa satisfação com
este sistema capitalista, sobre o logro em que vivemos e de que Marx nos
prevenira.
Nesse sentido, a peça
que Mafalda Santos encenou é declaradamente política. Como André Levy referiu, num breve diálogo
com os espectadores que encheram a sala, o teatro não pode nem deve ficar
indiferente à realidade política. Eu acrescento: nem deve ter fantasmas!
A peça de Howard Zinn
reabilita o marxismo e revela Marx na intimidade, o que dá um colorido
inesperado à peça. Nela vemos o Marx que bebe cerveja e sofre de furúnculos,
permanentemente exiliado e procurado pela polícia, que ama a mulher Jenny mas
está frequentemente desempregado e sem dinheiro para sustentar os filhos.
Em suma, no seu
animado monólogo, Karl Marx partilha com o público detalhes da sua vida íntima,
comenta grandes acontecimentos históricos da sua época, imiscui-se
provocadoramente na nossa, apresenta-nos personagens deliciosas, como o
anarquista Bakunin, a revolucionária Eleonor ou o potencial burocrata Pieper.
Howard Zinn diz que
esta não era uma peça sobre política, mas uma peça sobre Marx. É essa subtileza
que confere a “Marx na Baixa” a força e a grandiosidade necessárias para que
ninguém fique indiferente a este Marx, ora embalado pela esperança, ora comido
pela culpa, ora aniquilado pela tristeza, ora incendiado pela raiva…
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