2014 chegou ao fim e não me deixará saudades.
Quando penso numa palavra que defina este ano, DESENCANTO é aquela que
melhor resume o sentimento que experimentei em muitos momentos, perante os
vários factos que fizeram a história dos dias.
Partindo da perspetiva portuguesa, 2014 foi o ano em que a troika foi
embora, deixando atrás de si um rasto de empobrecimento do país que muitos
sentem até aos ossos. Ao fim de três anos de sacrifícios, os portugueses
perceberam aquilo que no início fora negado: o plano sempre fora baixar o
rendimento médio dos portugueses em 20/30%, para estar de acordo com aquilo que
os alemães acham que deve ser o nosso nível de vida. Como sempre vivemos no
limite das nossas possibilidades, bastou que o Bundesbank subisse os juros 3%
para que sentíssemos água nos pulmões.
Todavia, o meu maior desencanto não foi a falta de solidariedade
europeia, mas sim a impotência do governo português. Não tanto por tudo ter
aceitado com resignação de condenado, mas por não ter tido nenhuma ideia
mobilizadora que pusesse o país a mexer, a lutar pela recuperação. Parecemos
sempre um país de reformados a quem tiram 20% da sua magra reforma, mas que não
protesta com medo que lhe tirem ainda mais. Como não reclama, só geme, chegará
o tempo em que novas reduções chegarão.
Mais um ano em que produzimos pouco, para pagar muitos juros da nossa tamanha
dívida que nunca deixará de ser grande e impagável.
Ao desencanto soma-se a resignação. Resignação dos velhos e dos novos.
Uns e outros deixaram de acreditar no futuro de Portugal. Os velhos esperam que
os medicamentos não falhem, que os hospitais não fechem valências, que os
bombeiros tenham dinheiro para a gasolina. Os novos acreditaram que Passos
Coelho não aldraba nas más notícias e foram-se embora. O país comandado pelos
impotentes Passos Coelho e Paulo Portas não tinha empregos a mil euros para
mais de cem mil portugueses que tiveram de despedir-se do país que os pais lhes
ensinaram a amar. Não ter ideias para aproveitar os mais qualificados dos
portugueses devia ser razão suficiente para um governo se ir embora. Mas este
ficou… a empatar-nos a vida.
Nós e eles passámos o verão a assistir à mais cara telenovela portuguesa:
o desmoronamento do BES. Finalmente, a elitezinha portuguesa vai poder brincar
aos pobrezinhos com o muito que sobrou dos seus esquemas fraudulentos e
corruptos que todos nós voltámos a pagar: cinco mil milhões. Dinheiro que o
governo foi pedir à troika para capitalizar o Banco Bom, porque o Mau era tão
mau que ninguém quis ver o fundo do poço. Claro que o povo ficou como avalista.
O povo não sabe, mas isso significou mais uns largos anos sem o dinheiro que
nos tiraram e continuam a tirar nos salários, nas pensões, nos impostos. Somos
mesmos patos mansos…
Pelo mundo, o ébola mostrou que há doenças de rico e doenças de pobre e
que só quando as doenças dos pobres atingem um rico e um branco, alguém se
preocupa em tentar encontrar uma cura para ela.
Obama “flopou” na América, Putin mostrou que se a Ucrânia não ajoelha à
Gazprom, ajoelha aos tanques na Crimeia, Hollande tornou-se numa desilusão
nacional depois de ter desiludido Valérie Trierweiler. Durão Barroso percebeu
que foi durante dez anos o fraco e insignificante mais útil que Merkel teve.
No Vaticano, o Papa luta contra todos os podres e poderes instalados numa
Igreja fossilizada. Estrebucha, propõe, recebe as palmadas nas costas dos que
vão à missa de vez em quando, mas as suas propostas avançam a passo de caracol.
Dá que pensar que seja um velho de 78 anos a ter urgência em reinventar a
ESPERANÇA.
Gabriel Vilas Boas