Etiquetas

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

AUTO DA ÍNDIA, de Gil Vicente


O texto dramático que os portugueses mais conhecem é, indubitavelmente, o “Auto da Barca do Inferno”, de Gil Vicente, porque os curricula escolares “impuseram” esse conhecimento e esse estudo, em detrimento doutros textos vicentinos. No entanto, alguns docentes optam por trabalhar, com os seus alunos, o “Auto da Índia”.
A peça apresentada à corte manuelina em 1509 cumpre uma tripla função: caracteriza o tempo em que foi escrita, afirma-se como obra intemporal e serve-nos de reflexão sobre os dias que vivemos.
O Auto da Índia” expõe o adultério de Constança (nome altamente irónico), uma mulher insatisfeita com o seu casamento que suspira pela partida do marido para a Índia, em buscas das riquezas que os Descobrimentos prometiam.

Mais que a riqueza que o marido, porventura, poderia trazer do oriente, a Ama deste auto vicentino anseia pela liberdade proporcionada pela ausência do marido, para o trair com um castelhano pretensioso e um português ridículo que a cortejavam.
A facilidade com que Constança se deixa conquistar, a ausência de qualquer sentimento amoroso como justificação para a traição e até o facto de serem simultaneamente dois, os seus amantes, não deixa qualquer dúvida quanto à imoralidade do comportamento da protagonista do “Auto da Índia”.
O adultério é o tema central do Auto e representa categoricamente a dissolução dos costumes em pleno período áureo da História de Portugal.
A crise de valores morais é confirmada pelo destino que Gil Vicente traçou para o marido enganado. O foco não fica na traição de que é alvo, mas na ambição desmedida e tonta que o levou a procurar fortuna nas viagens para a terra da pimenta. Duplamente enganado é alvo de troça do leitor/espectador.
A moralidade e humor da peça estão na frustração completa das expectativas do casal: nem ele regressa rico da Índia nem ela se vê livre do emplastro do marido.
A solução é continuarem a viver uma relação de engano e hipocrisia, muito bem caracterizada pela fina ironia da criada que se refere à patroa da seguinte maneira “Mui virtuosa é minha Ama / um na rua, outro na cama”.


A intemporalidade desta peça vicentina é evidente, pois os temas da ganância e da traição marcaram o ser humano ao longo dos tempos. Não deixa inquietante pensar como os comportamentos humanos são repetitivos, ainda que as circunstâncias se vão alterando. Por mais racional que procure ser o Homem continua a ser muito instintivo.

Gabriel Vilas Boas

Sem comentários:

Enviar um comentário