O
texto dramático que os portugueses mais conhecem é, indubitavelmente, o “Auto
da Barca do Inferno”, de Gil Vicente, porque os curricula escolares “impuseram” esse conhecimento e esse estudo,
em detrimento doutros textos vicentinos. No entanto, alguns docentes optam por
trabalhar, com os seus alunos, o “Auto da Índia”.
A peça
apresentada à corte manuelina em 1509 cumpre uma tripla função: caracteriza o
tempo em que foi escrita, afirma-se como obra intemporal e serve-nos de
reflexão sobre os dias que vivemos.
O Auto
da Índia” expõe o adultério de Constança (nome altamente irónico), uma mulher
insatisfeita com o seu casamento que suspira pela partida do marido para a
Índia, em buscas das riquezas que os Descobrimentos prometiam.
Mais
que a riqueza que o marido, porventura, poderia trazer do oriente, a Ama deste
auto vicentino anseia pela liberdade proporcionada pela ausência do marido,
para o trair com um castelhano pretensioso e um português ridículo que a
cortejavam.
A
facilidade com que Constança se deixa conquistar, a ausência de qualquer sentimento
amoroso como justificação para a traição e até o facto de serem simultaneamente
dois, os seus amantes, não deixa qualquer dúvida quanto à imoralidade do
comportamento da protagonista do “Auto da Índia”.
O
adultério é o tema central do Auto e representa categoricamente a dissolução
dos costumes em pleno período áureo da História de Portugal.
A
crise de valores morais é confirmada pelo destino que Gil Vicente traçou para o
marido enganado. O foco não fica na traição de que é alvo, mas na ambição
desmedida e tonta que o levou a procurar fortuna nas viagens para a terra da
pimenta. Duplamente enganado é alvo de troça do leitor/espectador.
A
moralidade e humor da peça estão na frustração completa das expectativas do
casal: nem ele regressa rico da Índia nem ela se vê livre do emplastro do
marido.
A solução
é continuarem a viver uma relação de engano e hipocrisia, muito bem
caracterizada pela fina ironia da criada que se refere à patroa da seguinte
maneira “Mui virtuosa é minha Ama / um na rua, outro na cama”.
A intemporalidade
desta peça vicentina é evidente, pois os temas da ganância e da traição marcaram
o ser humano ao longo dos tempos. Não deixa inquietante pensar como os comportamentos humanos são repetitivos, ainda que as
circunstâncias se vão alterando. Por mais racional que procure ser o Homem
continua a ser muito instintivo.
Gabriel
Vilas Boas
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