Etiquetas

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

FALAR VERDADE A MENTIR, de Almeida Garrett






Normalmente, uma criança começa a gostar de teatro na Escola, no contacto que tem com os textos dramáticos que o programa lhe propõe para estudo. Por isso é fundamental que essa escolha seja criteriosa e não perca o adolescente para o gosto pelo teatro. Esse objetivo era atingido quando os alunos, por volta dos 13/14 anos, estudavam “Falar Verdade a Mentir”, de Almeida Garrett. Digo acontecia porque, embora os programas de Português do 8.º ano não tenham sido amputados, do maravilhoso texto, do autor de “Folhas Caídas”, as Metas Curriculares colocaram-no fora de meta e por isso tenderá a ser esquecido, infelizmente!


Falar Verdade a Mentir é uma comédia dum único ato, escrita há cerca de 170 anos, por Almeida Garrett. Em hilariantes e bem dispostas dezassete cenas, o protagonista exercita a arte (e a falta dela) de mentir. Não por defeito, mas por feitio. 



Garrett consegue tratar dum dos piores defeitos humanos – a mentira – dum modo divertido e pedagógico. Sem nunca abdicar da condenação da mentira, o dramaturgo vai passando a mensagem de que a mentira acarreta problemas desnecessários, põe em perigo o carácter e a consideração pessoal daquele que falta à verdade, faz perigar objectivos essenciais na vida das pessoas.



A peça relata a história da jovem burguesa Amália e da sua criada, Joaquina, que têm como objectivo de vida casar com Duarte Guedes (o mentiroso compulsivo) e José Félix, respectivamente. Joaquina acompanha os amos do Porto para Lisboa, onde vive José Félix e onde os dois pares de namorados se reencontram.
Joaquina revela a José Félix que Amália lhe prometeu que lhe daria um dote de cem moedas quando se casasse. No entanto, esse casamento corria perigo, pois o pai de Amália impusera uma condição: não apanhar Duarte em nenhuma mentira. Como Duarte era um mentiroso compulsivo, o enlace das duas jovens mulheres corria o risco de nunca ser… verdade.


Toda a peça é uma sucessão patranhas, tão evidentes quanto desnecessárias, que Duarte vai pregando à noiva e aos espectadores/leitores e que Amália, José Félix e Joaquina tentam transformar em verdades.
Duarte desconhece a condição que o futuro sogro impôs à filha e não consegue estancar o vício da mentira, o que aumenta o dramatismo da situação, pois parece que o pai de Amália está sempre prestes a desmascarar o futuro genro.
Numa tentativa de socorrer Duarte (e salvar o seu próprio casamento), José Félix fez-se passar pelas pessoas que Duarte mencionara nas suas mentiras, como por exemplo, Tomás José Marques, Lord Coockimbrook e general (sendo depois despromovido a coronel) Lemos. Mas, no fim do dia, o pai de Amália descobriu que o seu futuro genro lhe tinha mentido, apesar das suas mentiras terem acabado por serem verdades.

Como Garrett escreveu uma comédia e não uma tragédia, o general Lemos lá convence o pai de Amália a concordar com o casamento da filha, para gáudio de personagens e leitores/espectadores, que apenas desejavam que Duarte aprendesse a lição e emendasse o seu pernicioso vício.

Nesta comédia de enganos e desenganos, a mentira é tratada com benevolência, mas a desaprovação moral e ética são evidentes. Ainda que duma maneira suave e divertida, a comédia não deixa de identificar e tratar as maleitas sociais de cada época. Infelizmente, neste caso, o riso não tem sido censura suficiente.
Gabriel Vilas Boas 

Sem comentários:

Enviar um comentário