A casa estava definitivamente vazia.
Já não havia filhos para criar, netos para tomar conta,
amigos para uma conversa tarde fora. Pior do que isso: a ausência deles já não
lhe doía. Tinha-se habituado ao silêncio e à solidão. As notícias do mundo já não
a surpreendiam, por mais rocambolescas que fossem.
Tinha resignado, para não sofrer mais. De vez em quando, o
filho mais novo telefonava, para a convidar, para jantar, no fim-de-semana, lá em
casa, mas recusava sempre. Sabia que o fazia por comiseração e não estava para
aturar o mau humor da nora, que já tinha deixado de amar o filho, mas
persistia naquele casamento de fachada, por razões económicas e de conforto
social.
Não lhe apetecia pensar na vida, especialmente se fosse a
sua, e no rumo que levara, mas desde ontem que não tirava da cabeça aquela
tirada da desbocada do 1.º direito:
“Ó Cristina, tu envelheceste tanto que já nem saudades
tens!”
Sim, já não tinha saudades de nada nem de ninguém. Sempre
desejou não sofrer com as desconsiderações da vida, mas não havia reparado como se
tinha tornado vazia de sentimentos. É certo que não sofria, mas, a verdade, é
que também tinha deixado de viver. Sentia-se velha para tudo. Um ramo seco da
vida, em quem já ninguém reparava e que se comprazia a contar os dias sem outro
objetivo.
Foi até ao espelho e ficou horrorizada. Como envelhecera!!!
Foi buscar o BI e olhou repetidamente para a data de nascimento. Tinha pouco
mais de cinquenta anos, confirmou! Sorriu para si mesma de satisfação e
considerou que aquele estúpido amuo tinha de acabar.
Pegou no telefonou, colocou aquela voz doce de mãe e ligou ao filho mais velho, que do outro lado do fio, não pode conter o espanto.
“Mãe! Que
surpresa! Não estava nada à espera! Já tinha saudades de ouvir a tua voz!”
Também ela tinha enormes saudades dela. Da mulher que fora:
interventiva, opinativa, realizadora.
Estava decidida a rejuvenescer, usando o truque de sempre:
o Amor. Só que desta vez ia começar por si e estava decidida a não fazer
poupanças.
GAVB
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