Sabem por que Gil Vicente sobreviveu à poeira dos anos? Porque analisou critica e magistralmente a sua época. Sabem por que Picasso é famoso? Porque Guernica não é apenas um excelente objeto estético, mas um documento histórico único, um grito de revolta potente que atravessou fronteiras e gerações.
A esperança de liberdade, nos tempos da ditadura salazarista, esteve muito mais nos poemas de Manuel Alegre, nas canções de Adriano Correia de Oliveira e Zeca Afonso do que nos grãos de areia que o PCP tentou pôr na engrenagem do regime.
A arte ganha uma dimensão transcendental quando se “mete” com o poder, quando o questiona e o critica. A arte derrubou muros e regimes; a arte formou consciências, a arte desmascarou e corrigiu injustiças.
E o que faz hoje a arte?
Não está para se maçar! Come pipocas no cinema, provoca apenas através da banalização do sexo, grita umas palavras de ordem contra os corruptos e ditadores e vai de férias para as praias da Califórnia ou do sul de França.
Estou em crer que muita da inércia popular, muita da cedência ao populismo descarado e xenófobo a que assistimos, radica na desistência da arte em assumir uma crítica estruturada e coerente ao status quo.
Faltam aos povos poetas do concreto, músicos comprometidos, filósofos pragmáticos. E falta também alguém que una a cadeia, porque carneirada há em abundância.
Talvez seja difícil, num tempo tão subjetivo, tão partido e individualista apelar a uma arte comprometida, solidária e coerente, mas é bom perceber que muitas das conquistas coletivas de que deliciosamente desfrutamos estão realmente em perigo.
GAVB
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