Rita, Ricardo e Ana nunca tinham visto os pais chorar como
nunca os tinham visto discutir; por isso, aquelas lágrimas do pai eram
incompreensíveis para os três.
Durante anos, habituaram-se a contar com os pais para quase
tudo: iam buscá-los ao colégio, às aulas de dança, ao futebol e às festas dos
amigos; estudavam com eles; amansavam as suas fúrias com os(a) namorados(a);compreendiam
os seus medos e inseguranças; satisfaziam, na medida do possível, os seus
desejos consumistas e até tinham abdicado dos seus programas favoritos de
televisão.
Toda aquela preocupação centrada neles parecia-lhes
natural, óbvia, justificada. Sempre acharam que “tudo” estava bem com eles, mas
a verdade é que nem costumavam perguntar ou perguntavam daquele modo automático
e desinteressado como se não esperassem outra coisa que não aquela resposta de
gravador: “Sim, claro!”, acompanhada daquele sorriso de plástico que nunca
tinham reparado que era de plástico.
As inesperadas lágrimas do pai abriram os olhos dos irmãos
para uma realidade familiar que nunca tinham imaginado – os pais também tinham
problemas e também não sabiam como resolvê-los. A diferença é que não havia
quem os ajudasse, quem os mimasse ou simplesmente os olhasse com ternura e amor
e reduzisse o problema a uma circunstância.
Rita descobria que os pais, na sua ânsia protetora, só a
tinham ensinado a receber. Ricardo e as irmãs experimentavam, pela primeira
vez, um obstáculo que não sabiam como ultrapassar.
Sabiam muito pouco do quotidiano do pai e da mãe: os seus
gostos, os seus problemas, as suas canseiras.
Naquela noite, Rita deixou o telemóvel no quarto; Ricardo
ligou a televisão da sala na telenovela que a mãe espreitava enquanto arrumava
a loiça do jantar enquanto Ana, sentada no sofá entre o pai e a mãe, pediu ao pai
que lhe contasse, com pormenor, como tinha sido o seu dia.
GAVB
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