Algumas pessoas querem-nos fazer crer que o grande pecado
de Paulo Núncio e do anterior governo foi não ter publicitado uma estatística,
onde se podia ler que dez mil milhões de euros tinham voado de Portugal para
paraísos fiscais sem o controlo do fisco. Tecnicamente parece que o problema é só
esse, o que não constituiria problema nenhum. Se as transferências para
offshores não tivesse problema algum, toda a gente as usava e a captação de
receitas por meio de impostos seria muito reduzida.
Os offshores são legais (ainda que imorais), mas têm
regras. Quando uma empresa transfere dinheiro para uma offshore, cabe à Autoridade Tributária (AT) verificar se os requisitos legais foram cumpridos,
tal e qual como quando qualquer contribuinte apresenta as suas despesas para
abatimento do IRS ou IRC a pagar.
Se um contribuinte apresenta um volume inusitado de
despesas para abater é certo e sabido que a AT vai querer verificar se tudo
está conforme a lei. Quando alguém se esquece de publicitar dez mil milhões de
euros em transferências para offshores (numa altura em que em Portugal grandes
bancos com o BES iam à falência e toda a gente com dinheiro procurava salvar o
seu) não cumpre o seu dever de informar a AT sobre esta anormalidade, que precisava de ser verificada. Era altamente provável que nesses dez mil milhões
houvesse dinheiro que devia pagar imposto e não pagou. E quem publicitou, quem não informou a AT não se sente culpado?
Se um médico pede um exame complementar de diagnóstico e o
técnico que redige o relatório se esquece de publicitar determinado dado
relevante, isso não tem consequências no sucesso ou insucesso da terapia
aplicada? Esse técnico pode apenas dizer: “Desculpem lá, esqueci-me de
publicitar este dado, mas provavelmente estava tudo bem. Não foi uma falha
muito grave.»
Quem interpreta os dados é o médico, quem sabe se o dado era
relevante ou não era o médico; neste caso era a autoridade tributária.
Hoje sabe-se que Paulo Núncio estava demasiado preocupado
com o e-fatura e talvez a fatura da sorte. Naquela altura o BES colapsava,
havia indício de crimes vários envolvendo Ricardo Salgado, Portugal apertava o
cinto por causa da troika e o máximo responsável político pela cobrança de
imposto acha que o único lapso que cometeu foi não publicitar a saída de dez
mil milhões de euros para paraísos fiscais. Se as empresas portuguesas tivesses
faturado 10% desse valor, provavelmente Paulo Núncio, Maria Luís, Passos Coelho
e Paulo Portas haviam de querer toda a publicidade em relação ao facto. Não nos
comam por parvos.
NOTA: em Espanha o fisco espanhol andou a vasculhar os
rendimentos de Messi, Ronaldo, Ricardo Carvalho e Pepe, entre outros. Quase todos eles
recorreram a engenhosos esquemas para receber grande parte dos seus rendimentos
em paraísos fiscais. Deviam tê-lo recebido em Espanha e ter pago impostos por
isso. O fisco espanhol propôs-lhes o pagamento de 30% a 40% do valor recebido. Todos
eles aceitaram sem pestanejar. Alguns tiveram de fazer várias correções.
Acham mesmo que se estivesse tudo legal, essas empresas
precisavam de enviar dez mil milhões de euros para offshores em tão pouco tempo?
GAVB
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