Não foi preciso Cristo descer à Terra nem voltar a mergulhar no Tejo frio e poluído: aos sessenta e sete anos Marcelo Rebelo de Sousa torna-se no vigésimo Presidente da República Portuguesa. Numa corrida
eleitoral com dez candidatos mas sem nenhum interesse político, o professor
Marcelo atingiu finalmente o objetivo e o sonho de toda uma vida.
Enfrentando uma panóplia de candidatos
menores e usufruindo da simpatia de uma população descrente na classe política
que a governou nas últimas duas décadas, Marcelo conseguiu o extraordinário
feito de ser eleito sem precisar do apoio de nenhum partido político. Depois de mais de vinte anos a fazer comentário político na rádio e na televisão,
a ser escutado como nenhum outro português o foi, a ser seguido com atenção por
sucessivos decisores políticos, Marcelo ganhou finalmente coragem para se
candidatar à Presidência da República.
Chega demasiado tarde. Há dez anos faria
mais sentido e temo que estejamos a repetir o erro que cometemos com Cavaco
Silva, quando procuramos dar ao outro professor mais famoso da democracia
portuguesa uma espécie de prémio de final de carreira e obtivemos em troca um
presidente imóvel, partidário, incoerente, sem reação nem determinação para orientar o país
na grave crise económica, social e política que ainda atravessamos.
Chega ao mais alto cargo da nação um dos
mais bem preparados e informados cidadãos do país, um homem que consegue ser
das elites e ao mesmo tempo amado pelo povo; um homem que simplificou a política todos os domingos
à noite, explicando-a. No entanto...
Talvez Marcelo não tenha reparado mas, nos
últimos anos, tornou-se muito consensual, muito politicamente correto,
condescendendo com algumas práticas políticas que tinham de ter sido obstruídas. Não sei se o fez por tática ou poque a idade sénior o tornou
menos irrequieto, mas não foi esse Marcelo que a minha geração ouvia com
atenção na TSF, nas temidas notas semanais que dava aos governantes e outras
figuras públicas da sociedade portuguesa.
Não sei se Marcelo terá força ou vontade
de voltar a ser o enérgico professor “Martelo” que mereceu um boneco do Contrainformação,
mas sei que Portugal precisa de um Presidente da República que seja mais do que
um velhinho consensual que ameaça usar a bomba atómica da dissolução da
Assembleia da República. Governar o país está difícil, mas ser um bom presidente
não está mais fácil. Portugal precisa de um presidente com sabedoria e com
golpe de asa, que una geracionalmente o país e o torne respeitado no
estrangeiro, que nos faça ter orgulhe em sermos portugueses e termine de vez com o
fado do desgraçadinho que já ninguém tem pachorra para mais desculpas, para mais
um “mas”, para um outro “para o próximo é que é”.
Que seja desta e nos faça
voltar a sorrir.
GABRIEL VILAS BOAS
Sem comentários:
Enviar um comentário