GENTE FELIZ COM LÁGRIMAS
Maria
Alice Azevedo Costa é uma professora da escola pública que
começou a lecionar em 1997. Durante quase duas décadas percorreu o país
ensinando Inglês, Português e, mais recentemente, trabalhando com os alunos da
Educação Especial. Natural do Marco de Canavezes, distrito do Porto, está
atualmente a lecionar em Lisboa. Perto de casa só esteve sete anos, porque os
outros doze passou-os em sítios tão distantes como a ilha Terceira, nos Açores,
Guimarães, Gaia, Viana do Castelo, Lousada, Cinfães, Baião, Rebordosa, Paredes,
Amarante, Carrazeda de Ansiães e Torre de Moncorvo.
Milhares de quilómetros
percorridos, milhares de alunos diferentes pela frente, muitos obstáculos
pessoais e profissionais ultrapassados, muitas lutas diárias vividas com paixão
e a almejada meta da vinculação ainda por cortar.
Os
professores contratados são os mais bem preparados e atualizados professores da
Escola Pública portuguesa?
Não gostaria de fazer um juízo desses,
porém acredito que cada vez mais os professores contratados se preparam e
atualizam mais para o exercício das suas funções. Aliás, é a este grupo de
professores que são exigidas todas as qualificações e todos os requisitos. Na
BCE, por exemplo, “eram” aqueles critérios todos: formação específica,
experiência na área, avaliação, dinamização, etc. Até o registo criminal e o
atestado de robustez física, os professores contratados têm de fazer prova.
Curiosamente, entrando-se nos quadros, todos estes requisitos deixam de ser
relevantes e deixam de ser solicitados.
Achas
que as escolas privadas melhoram a Educação em Portugal ou apenas aprofundam as
desigualdades sociais?
Não acho de todo que as escolas privadas
tenham melhorado a educação em Portugal. Cumpriram apenas com a sua função. Têm
recursos que a escola pública não tem. Não são escolas de massas, pelo
contrário, são escolas seletivas e em alguns casos ainda beneficiam do erário
público.
O teu
percurso profissional enquanto professora foi atípico: primeiro professora de
Inglês, depois de Português e agora professora de Educação Especial. Isso
tornou-te, involuntariamente, melhor professora?
A
educação especial surgiu como mais um recurso que me complementou. À questão se
me tornei melhor professora não te posso responder, pois essa avaliação deixo
para os meus alunos. Todavia, consigo dizer-te que cada vivência contribui para
o meu crescimento enquanto professora.
O que
pensas das recentes medidas do novo Ministro da Educação quanto ao sistema de
avaliação, com o aparecimento das provas de aferição e o fim dos exames do 4.º
e 6.º anos?
Concordo com as medidas. Nos exames do 4.º
e 6.º anos fazia-se a comparação entre o incomparável. Quanto às provas de
aferição, há toda uma cultura de se desvalorizar tudo o que não é quantificável
para a nota, porém poderá servir como um descritor para cada escola.
O
Ministério da Educação determinou o fim da BCE (Bolsa de Contração por Escola).
Concordas com esta medida? No teu entender, qual o método mais correto para a
contratação de professores?
Concordo plenamente. Já vai tarde. A BCE
foi o concurso mais injusto. Julgo que a lista de graduação será o método mais
correto para a contratação de professores.
Achas
que os vários sindicatos de professores têm feito tudo o que está ao seu
alcance para vincular os professores que estão em regime de contrato há vários
anos?
Não sou sindicalizada nem estou por dentro
do trabalho por eles desenvolvido, mas tenho a sensação de que poderiam ser
mais persistentes nesta questão.
Como
resolver o problema dos professores contratados há vários anos sem causar
injustiças entre eles?
Aplicando a mesma lei que obriga as
empresas privadas a cumprir. Isto é, se o professor é necessário e tem três
contratos com o Ministério deveria passar aos quadros, salvaguardando o caso de
professores que, como eu, lecionam há quase duas décadas e que, por injustiças
como a BCE e a dita norma travão, ainda permanecem contratados.
Que
consequências teve para a tua família andares duas décadas a saltar de escola
em escola?
A família para mim é tudo. Como deves
imaginar não é nada fácil chegar ao fim de semana e fazer a mala, partir para
mais de 300 kms, deixando marido, filho e pais, estes com doenças como
Parkinson e Alzheimer. Levo as saudades, as preocupações, a ausência dos
momentos em família. E tudo isto que levo e que pesa mais do que a mala, também
fica com eles. Felizmente, somos uma família consistente que se apoia
mutuamente, pois de outra forma, se calhar já a teria perdido.
Os
sindicatos deviam apenas discutir com o governo questões laborais ou também
deviam marcar uma posição clara quanto à política educativa que os professores
defendem para a Escola portuguesa?
Acho que, se calhar, uma coisa devia
implicar a outra.
Costumas
sentir pressões de elementos da Direção das escolas onde lecionastes para
melhorares as notas de alunos “problemáticos”, no sentido de facilitar a sua
transição ou dos melhores alunos para que este atinjam determinada média?
Felizmente nunca senti qualquer pressão.
Sei que as Direções têm de mostrar resultados, sei que apelam às
responsabilidades de cada um de nós, mas comigo nunca nenhum elemento das Direções
por onde tenho passado me pressionou para fabricar resultados.
O que
achas do chamado “Ranking” das escolas?
Acho uma verdadeira farsa. Discordo com os
princípios orientadores de tal comparação de resultados. É como comparar uma
grande cidade cosmopolita a uma simples aldeia no interior.
As
escolas públicas portuguesas têm as condições materiais necessárias para que os
professores desenvolvam corretamente o seu trabalho com os alunos?
Neste momento existem as escolas que tem
todas as condições físicas com bons recursos materiais e aquelas que estão no
esquecimento, onde muitas vezes até o básico falta. Esta dicotomia mostra um
bocadinho a realidade das nossas escolas públicas.
Que
imagem fazem os portugueses do professor? Essa imagem têm em conta as
diferenças entre o professor contratado
e o professor efetivo?
Julgo que a grande maioria tem uma visão
negativista do professor. Veem-nos como ociosos (muitos dias de férias), muito
implicativos com as crianças (quando exigimos).
No que diz respeito aos professores efetivos
versus professores contratados, hoje em dia não sinto tanta discriminação
relativamente a estes últimos, pelo contrário, sinto que nos valorizam e
apreciam.
Os
professores efetivos são os “instalados” do sistema?
Não querendo ser injusta com aqueles
professores efetivos que continuam a dedicar-se à sua profissão, e eu conheço
alguns, na minha opinião há um número bastante significativo daqueles que se
“instalaram” no sistema.
O
atual modelo de gestão das escolas públicas portuguesas, que muitas vezes
perpetua os diretores no poder, é benéfico ou prejudicial ao aumento da
qualidade de ensino?
Acho que não é apenas o atual modelo de
gestão de escolas públicas que perpetua os diretores à frente das escolas,
também os anteriores modelos o permitiam. Quanto ao ser benéfico essa
continuidade, é como tudo, se o diretor corresponder às necessidades da escola,
esta só ganha com o seu trabalho.
Na
escola portuguesa, há uma excessiva cultura da nota?
Sim, há uma excessiva cultura pela nota.
Que
valências deve ter o professor atual?
O professor atual tem de amar a sua
profissão, ser dinâmico, estar atualizado e ter espírito aventureiro. ;)
Ser
professora faz-te feliz?
Hoje, é com tristeza que te digo que me
sinto cansada e muito injustiçada. Ainda assim sinto o apelo pelo ensino, o que
me leva a avançar. O meu estado de alma pauta-se pela desilusão em virtude das
políticas educativas que têm sido implementadas. No entanto, há um sentimento
antagónico, porque quando estou em frente aos meus alunos, quando sou professora,
ensino, partilho, demonstro e aprendo. Aí sou feliz.
Vinte anos é muito tempo. Muito tempo para
continuar a acreditar que um dia a vinculação vai chegar, muito tempo longe da
família e com a casa às costas, muito tempo para acreditar em erráticas políticas
de educação por parte dos vários Ministérios da Educação, mas também muitos
dias, semanas e meses de uma profissão vivida com gosto e paixão comoventes que
temos de aproveitar e agradecer. Como diria Camões, n’Os Lusíadas:
“A gente vem perdida e trabalhada
Já parece bem feito que lhe
seja
Mostrada a nova terra que
deseja.”
Excelente entrevista, excelente entrevistada. Levei tudo para o meu blogue!
ResponderEliminarBeijocas!