Os últimos dias de 2015 trouxeram aos
portugueses uma lei que fez renascer os debates de café ou de redes sociais: a
criminalização do piropo. O piropo, ou seja, aquela “coisa” divertida,
hilariante, nojenta que tanto elogia como humilha a mulher passou a ser
crime, com pena de prisão até três anos, ou seja, passível de ser substituído
por coima.
Na prática, esta lei funcionará como
efeito dissuasor de um costume boçal de galanteio que a cultura portuguesa
tardava em perder. Quando aplicada, apenas dará satisfação aos advogados e ao
tribunal que cobrarão emolumentos e os honorários respectivos.
Pode ser caricato estarmos a criminalizar
o piropo, mas mais incompreensível é ele se ter tornado uma tradição. Por
regra, o piropo é algo de errado, pois, na maioria das vezes, é grosseiro,
violento, humilhante, vingativo, frustrado. Ocasionalmente, pode ser bem-humorado
e inofensivo, mas isso não apaga as muitas outras em que acossa a mulher na sua
dignidade.
É verdade que a mentalidade não se muda
por decreto, mas há leis que ajudam a mudar algumas mentes, sobretudo quando
trazem um valor monetário a pagar pela ousadia da sua transgressão.
Antes de estar fora da lei, o piropo já
tinha saído de moda. Tornara-se em algo foleiro e reles, que um espírito lúcido
e bem formado rejeita sem hesitação. Aliás, a evolução social, cultural e
mental das sociedades modernas vai pondo a nu alguns comportamentos e
pensamento rasteirinhos que precisamos de ir eliminando paulatinamente, já que
não é possível eliminar de uma penada.
O piropo é só a face mais visível de uma
mentalidade sexista que deixamos florescer entre nós e que convém erradicar. O
nosso dia-a-dia está cheio de comentários sexistas com os quais homens e
mulheres pretendem alfinetar o sexo oposto.
E ao contrário do piropo, quase
todos eles não têm gracinha nenhuma, mas deixam a sua marquinha irritante de cada
vez que são usados. Se é irritante e aviltante para muitas mulheres estar
sempre a ouvir comentários como “Deves
estar naqueles dias do mês”, “Isto não é para meninas”, “Não sejas mandona”, “Não
sejas tão dramática”, “Se fizesses um esforço podias ficar tão gira”, não é
menos incomodativo e exasperante ouvir tiradas do género: “Os homens são todos iguais”, “És homem. Nunca vais entender.”, “Os
homens são crianças grandes”, “Os homens são todos uns porcos”, “Vai viver
sozinho, vai, em seis meses estás morto”, “Não sejas maricas”, “Não és
capaz de pensar em duas coisas ao mesmo tempo”.
Como se pode facilmente constatar os
comentários sexistas não são um exclusivo dos homens e, se formos justos,
alguns dos mais fortes são sobre eles ditos por elas.
Claro que não precisamos de nos tornar
umas flores de estufa, mas convinha lembrar que a mentalidade sexista não é um
exclusivo dos homens e a criminalização do piropo é só o começo da mudança de
mentalidade que se pretende.
Gabriel Vilas Boas
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