Nunca à humanidade fora
dado observar um telhado de castelo tão espantoso: turrículas afuniladas,
chaminés e lucarnas debruadas a mármore emprestavam ao edifício, todo ele pompa
e esplendor, a aparência de uma emaranhada floresta de pedra, cuja silhueta bizarra
se recortava no céu, contrastando com a paisagem primitiva da Sologne. Em toda a
parte desabrochava uma plenitude de flores em pedra e, pelo meio, ninfas,
faunos e cupidos alados rodopiavam como bacantes.
Em 1547, o rei
Francisco I (verdadeiro precursor do absolutismo francês) viu concluído o seu
castelo de sonho, a que mais tarde o escritor Bourdeille chamou “uma das
maravilhas do mundo”.
Como nenhum outro
castelo do Loire, Chambord foi a expressão, em pedra, de uma vontade férrea de
autoafirmação. O gigantesco monumento arquitetónico, cujas fachadas ainda se
espelham na água dos canais artificiais, era outrora considerado a mais
respeitável imagem da realeza.
Contrariando a vontade
do arquiteto, Francisco I decidiu instalar o seu castelo de sonho numa zona
pantanosa na orla da Sologne, região rica em caça e florestas. Nesse local,
onde foram precisos efetuar penosos trabalhos de secagem, o monarca pretendia
erguer algo radicalmente novo, ainda mais grandioso e impressionante do que o
castelo de Blois e Amboise que provinham dos seus antecessores.
Quanto à identidade do
genial criador do Castelo, tudo o que se pode dizer é especular. É provável que
o rei Francisco I tenha escolhido o arquiteto renascentista italiano Domenico
Cortona. Também Leonardo Da Vinci, que viveu os últimos anos da sua vida em Amboise
a convite de Francisco I, deve ter igualmente participado nos projetos.
Maciças torres
circulares encimadas por telhados cónicos, em ardósia, conferem a este exemplar da arquitetura francesa do século XVI a aparência de uma fortaleza medieval.
No entanto, o carácter
defensivo do castelo não passa de uma alusão irónica, atendendo às paredes
fragmentadas por pilares lisos e às janelas altas segundo o estilo italiano. O
objetivo era celebrar, de forma impressiva, o esplendor do poder.
A verdadeira inovação
esteve na planta: em forma de cruz grega, do dogon (torre de menagem), com três andares, na medida em que esta
configuração fora apenas usada, até aí, em edifícios de arte sacra.
No ponto de interseção
dos corredores que definem o traçado, os construtores colocaram uma escada em
espiral, provavelmente concebida por Leonardo Da Vinci, em que dois lances se entrançam de forma requintada. Este primor do génio da engenharia permitia aos
visitantes do castelo subir e descer escadas sem que os seus caminhos se
cruzassem.
Mal se tinham concluído
as obras de edificação do corpo central, já Francisco I conseguia convencer o
seu maior adversário, o imperador Carlos V, a fazer-lhe uma visita. O rei de
França que havia duas décadas se candidatara infrutiferamente ao trono imperial
e na sequência de uma ultrajante derrota em Pavia, em 1525, fora prisioneiro de
Carlos V, durante algum tempo, recebeu o imperador pomposamente, com jovens
donzelas vestidas de ninfas da floresta a semear de flores o percurso do
soberano. Carlos V ficou impressionado e viu em Chambord a “súmula do que o
talento humano é capaz de realizar”.
Se os sucessores de
Francisco I não souberam tirar grande partido do Castelo, já Luis XIV viu em
Chambord um local apropriado para representar eficazmente o esplendor do seu
poderio como “rei-Sol”. Desabitado desde o século XVIII, Chambord foi
extensamente pilhado durante a revolução francesa e, na qualidade de “massa
gigantesca de peças inúteis”, quase transformado numa pedreira.
Nos dias de hoje, só um
número escasso de salas voltaram a exibir um mobiliário e ornamentos murais
que, na sua maioria, provêm dos acervos museológicos, pelo que não transmitem
uma imagem genuína da vida na corte de Francisco I. O vasto parque, à volta do
qual o estado francês mandou levantar um muro alto, voltou a servir
de coutada de caça, mas apenas para altas individualidades convidadas pelo
presidente da República Francesa.
Felizmente, em 1981, a
UNESCO decidiu promover o Castelo de Chambord, no Loire, a Património da
Humanidade. O maior castelo do Loire, com 154 metros de comprimento por 117
metros de largura, tem 440 salas e tantos fogões de sala como dias do ano.
Classificado como uma obra-prima do renascimento francês, tem na escada de
caracol dupla uma proeza da engenharia ainda hoje é admirada por todos.
Ir ao loire e não ver o
Castelo de Chambord é um pouco como ir a Roma e não ver o Papa.
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