Normalmente é um grande choque, porque não estavas a contar, que já não contasses para nada nem para ninguém. Acontece aos velhos, aos pobres, aos doentes, aos pouco influentes e até aos adolescentes, mas o problema destes é que ainda não contam.
Como és
dotado de raciocínio e sentimentos, não podes deixar de notar e de te
entristecer, mas de pouco te vale. Deixaste de ter valor económico e por isso
quase todos te lembram quanto dispensável és. És passivo social e quase todos
lamentam a tua presença, quase que diria a tua existência.
Começarão
por dizê-to através de metáforas, depois por respostas ríspidas e ações
concertadas, para que percebas que já não tens lugar. No autocarro, na bicha do
supermercado, nos sítios glamourosos. Também não deves ter direito a coisas
comuns e inerentes à tua condição de cidadão. Vá lá, uma ou outra, mas porque são magnânimos
contigo, porque têm sentido humanitário, porque são boas pessoas. Todavia não
deves abusar, importunando a alegria dos outros com a tua presença
desnecessária, ridícula e decadente de eterno pedinte de atenção.
Deves
saber sair de cena, o mais silenciosamente possível, sem resmungos nem reclamações.
Caso
não tenhas reparado isto sempre foi, mais ou menos, assim e está constantemente a acontecer. Talvez a diferença, agora, é que essa coisa chamada educação nos fez, a todos, ter mais consciência disso, mas não mudou o essencial: continua a
praticar-se e tem cada vez mais adeptos. Aliás, deixou a esfera pessoal e
caminha despudoradamente pela via institucional. Ao longo dos séculos existiu
também entre povos, quando os seus governantes tinham uma dimensão pequenina do
conceito de Humanidade.
Nestes
dias, o conceito chegou, finalmente, ao autoproclamado primeiro mundo. Os
gregos perceberam finalmente que são os feios, pobres e maus da zona chique da
União Europeia e já ninguém esconde a vontade de os atirar borda fora da mesa
euro. Estão velhos, doentes e consomem demasiados medicamentos. Não interessa
já o que dizem e as suas razões, o que prometem fazer e até mesmo o que farão. Querem-nos
fora! As humilhações constantes a que têm sido sujeitos tem como único objetivo
levá-los a sair pelo seu próprio pé, admitindo que não são dignos de tão
honrosa companhia.
Estamos fartos de ver este filme no nosso dia-a-dia, na maneira como os velhos são maltratados por toda a gente. Lamenta-se o gasto com os medicamentos, os centros de dia, os hospitais, as reformas. Tudo o que eles fizeram ou ganharam em prole da sociedade, que os rejeita agora, nada conta e foi esquecido.
Estamos fartos de ver este filme no nosso dia-a-dia, na maneira como os velhos são maltratados por toda a gente. Lamenta-se o gasto com os medicamentos, os centros de dia, os hospitais, as reformas. Tudo o que eles fizeram ou ganharam em prole da sociedade, que os rejeita agora, nada conta e foi esquecido.
Quando
isto acontece o melhor é não resistir e manter a dignidade. Sair pelo próprio
pé, mudar de rota e desenhar no mapa da nossa vida outro caminho para a felicidade. Fora de hipótese deve estar qualquer desistência ou falta de fé nas
nossas capacidades, porque os casos de sucesso são vários.
Somos
uns tristes e uns coitados. Séculos e séculos de evolução humana, cheia de
ciência, realizações e nobres sentimentos, fizeram-nos avançar muito pouco em
relação às leis da animalidade.
Resta
o triste consolo de uma certeza: o dia em que deixas de contar chegará,
inexoravelmente, para toda a gente.
Recusa
que sejam os outros a dizer-to. Nunca deixes de contar para ti!
Gabriel
Vilas Boas
Feliz de quem chega à velhice tendo um abrigo, assistência médica e condições financeiras, físicas e mentais para ainda ser capaz de tomar decisões sobre o rumo da sua vida.
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