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quarta-feira, 22 de julho de 2015

ANGRA DO HEROÍSMO, JANELA SOBRE O ATLÂNTICO


Nos últimos meses voar para os Açores tornou-se ainda mais barato e cada vez mais portugueses procuram conhecer as magníficas ilhas atlânticas que têm um encanto e beleza natural fora do comum. São Miguel atrai mais do que qualquer outra e já pude comprová-lo numa curta estadia há quatro anos. No entanto, todas as outras ilhas têm também o seu fascínio. Hoje proponho-vos um olhar atento sobre a capital da Ilha Terceira, Angra do Heroísmo cujo centro foi classificado, em 1983, como Património da Humanidade pela Unesco.

A vida de Angra do Heroísmo sempre foi abalada por fortes emoções e convulsões. Quem não recorda o dia de Ano Novo  do longínquo ano de 1980. A terra tremeu, em consequência dum sismo de grau oito na escala de Mercalli, e em poucos minutos a cidade ficava em destroços.
Todavia, o enorme amor dos angrenses à sua terra fez com que rapidamente a cidade fosse reconstruída segundo o modelo original – uma façanha digna dos maiores encómios.
Angra é uma pequena cidade da Ilha Terceira e ganha relevância geoestratégica no meio do Atlântico, qual porto de abrigo natural que ampara as embarcações. Até à era dos navios a vapor, todas os galeões provenientes da América com destino à Europa, carregados das preciosidades dos impérios Maia e Inca, aproavam à baía de Angra do Heroísmo. Os navegantes reabasteciam-se de provisões, mudavam de velas, reparavam os rombos dos navios e curavam as maleitas no hospital. O porto oferecia ainda um ótimo abrigo natural para os ataques dos piratas.

Quando nos encontramos nas ruas de Angra e temos presente o plano arquitetónico da cidade, reconhecemos rapidamente a nitidez da sua estrutura.
Ainda fiéis à tradição camponesa medieval, os primeiros colonizadores construíram os arruamentos e as casas com a forma de um ípsilon. Em torno da Praça do Mercado, no centro da cidade, desenvolve-se uma rede viária de estrutura radial.
Sete décadas após as primeiras construções, os angrenses mudaram de paradigma arquitetónico. Passaram a seguir o modelo florentino. Tomando por base do traçado urbano, a planta é em forma de tabuleiro de xadrez. Isto constituiu uma opção muito moderna para a época.
Nas imediações do porto surgiram bairros de recorte nítido, com depósitos para cereais, água potável e bacalhau, grandes padarias e oficinas de carpinteiros, adegueiros e fabricantes de caixotes. Desenvolveram-se indústrias de reparações de navios e empresas para a produção de géneros alimentícios. Angra tornou-se percursora do moderno catering.
A importância de Angra foi bem demonstrada pelos espanhóis que, nos séculos XVI e XVII, durante a sua dominação em Portugal, edificaram a gigantesca fortaleza que dá pelo nome de Castelo de São João, a fim de proteger todos os lados da enseada. Tal muralha da China, os caminhos de ronda prolongam-se, até aos dias de hoje, por mais três quilómetros em torno do Monte do Brasil. No bastião, chegaram a estar, temporariamente, mil soldados. Centenas de canhões faziam a receção ao inimigo vindo do oceano.
O Castelo de São Sebastião ocupava o monte fronteiro, de modo que Angra podia atacar uma armada inimiga de ambos os lados, colocando-a sobre fogo cruzado.
No espaço protegido entre as duas fortalezas espraia-se um homogéneo conjunto renascentista. Nas fachadas das igrejas e nas imponentes casas burguesas pode ler-se o apogeu de Angra. Galerias de janelas gradeadas alinham-se umas ao lado das outras, decoradas com ferro forjado ou madeira trabalhada num padrão de silhuetas. Tiras de escura pedra vulcânica cingem as janelas e as portas, as esquinas e os lambris. Telhas tubulares cor de terra, dispostas em forma de favo, servem de cobertura às casas – uma cidade de imagem despojada mas expressiva.

O ex-libris de Angra do Heroísmo é a Sé Catedral, com o característico padrão quadriculado em azul-e-branco nas duas torres que o terramoto e um incêndio danificaram gravemente.
O majestoso convento dos jesuítas não deixa subsistir qualquer dúvida quanto à influência política da ordem. Após a expulsão de Portugal dos seus poderosos membros, o sumptuoso edifício amarelo e branco foi ocupado pelo poder temporal: nele passaram a residir os capitães-generais.

Na igreja do antigo convento de São Gonçalo, da ordem das Clarissas, a decoração em azulejo azul e branco e a talha dourada aludem ao antigo apogeu da cidade. Só as partes “remendadas” em gesso que se deixou ficar a branco, no meio do ouro, recordam os “tempos inquietos”.

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