A televisão passava a final do campeonato do mundo de futebol e a tarde deitava a cabeça sobre um dia quente e estafado. Finalmente soprava uma pequena brisa que ia permitir um final de tarde agradável e surpreendente.
Há vários anos que aprecio o trabalho dos atores Jorge Pinto e Emília Silvestre, as almas mater da companhia “Ensemble de Atores”. Neste mês de julho apresentavam teatro ao ar livre. Estava curioso para ver o resultado, pois não conhecia a peça nem o espaço. Apenas sabia que era na Cooperativa Árvore, na cidade do Porto. Convenci a família ou eles confiaram no meu instinto, mas ninguém deu o tempo por mal empregue.
A majestosa casa da família Pinto Meireles serve de sede à Cooperativa Árvore desde 1963. Num dos seus belos e imponentes jardins, o Jardim das Virtudes, decorre a peça “De Passagem” escrita em 1985 por Luísa Costa Gomes em Inglês e que em 2011 foi reescrita em português.
O espectador é surpreendido por jovens atores cheios de talento, que beneficiam do toque de Midas do grande Jorge Pinto que não só atua como encena. Se a Jorge Pinto coube a honra de pontuar o início da representação com a sua extraordinária dicção e a espontaneidade dos gestos, para Emília Silvestre ficou o final, onde o crepúsculo já descia sobre a extraordinária paisagem, e nela prendeu a atenção o realismo da voz que nos mergulhou quase instantaneamente na personagem que interpretou, como é seu apanágio.
Pelo meio ficaram os diálogos a dois ou a três entre António Parra, Luís Araújo e João Castro que fizeram sobressair a enorme qualidade literária do texto de Luísa Gomes. Os diálogos revelaram uma qualidade poética inesperada numa peça de teatro, mas a interpretação inusitada dos atores conduziu o público a uma boa disposição permanente, durante 80 minutos, de tal modo que as minhas duas filhas, com oito e doze anos, por momento algum se sentiram aborrecidas.
Trata-se duma comédia, mas uma comédia especial. Nela observamos o jovem Roberto que tirou um ano para ver o mundo. Viagem iniciática, naquela tradição perdida da grande viagem romântica. Vai de bicicleta, de mochila às costas, sem rumo, desenhando paisagens aquáticas onde as encontra. Quando chega ao topo de uma montanha, no ermo, encontra António, que nele se retirou, em conflito com a Natureza circundante. Roberto apercebe-se, ao cair dessa noite, que lhe roubaram a mochila com tudo o que ele tinha. Dividido entre procurar os seus bens e deixá-los seguir caminho, decide passar a noite em casa de António. Pelas mesmas pitorescas montanhas deambulam, pedestres, dois cavalheiros, Augusto e Domingos, cuja generosidade raia os limites da loucura. Pelas serras cheias de flores anda, também, Maria Rita, com o seu filho e marido, procurando (mas não excessivamente) o pai desaparecido. Há, ainda, os Romanis, que parecem estar por todo o lado e “roubam e trocam e vendem e vendem e trocam e roubam”.
Com um estilo cuidado, subtil e maravilhosamente divertido DE PASSAGEM, de Luísa Costa Gomes mostra um conjunto de novos significados e sentidos para o ato da Espera e de passagem por isto a que chamamos vida.
Tudo isto é possível ver até dia 20 de julho, no Jardim das Virtudes, ao pôr-do-sol, com o Douro em fundo. Um maravilhoso fim de tarde!
Gabriel Vilas Boas
EXCELENTE!!! AO PÔR-DO-SOL, COM O DOURO EM FUNDO, DEVE SER MARAVILHOSO! VOU TENTAR IR, AO JARDIM DAS VIRTUDES.
ResponderEliminarPASSAR UMA MARAVILHOSA TARDE! GOSTEI MUITO. PARABÉNS GABRIEL!