Souto Moura começou por seguir o mestre da famosa Escola
do Porto, Álvaro Siza, mas acabou por se afastar e seguir o seu próprio
caminho.
Este arquiteto
portuense procura que a sua arquitetura vá além da nossa condição geográfica e
cultural de país periférico. Muito influenciado pelas ideias arquitetónicas de
Mies Van der Rohe e de Aldo Rossi, Souto Moura persegue uma arquitetura de
planos, superfícies e linhas. A sua arquitetura advoga a prevalência da forma
em detrimento da função. O arquiteto do estádio Axa, em Braga, gosta de
manipular a realidade através da repetição, da colagem, da analogia.
A criação deste
estilo será testada em diversas obras privadas (casa da Quinta do Lago…),
edifícios públicos (Casa das Artes, no Porto; Mercado de Braga) e depois em
importantes intervenções no património (Convento de Santa Maria do Bouro,
Alfândega do Porto, Cadeia da Relação do Porto).
Outra linha fundamental
em Souto Moura é o minimalismo. Ele detesta a desordem do mundo contemporâneo.
Por isso, busca a paisagem exata, desnudada de artifícios espúrios, a clareza
formal. Ora isto é muito estranho num país onde não existe cultura visual.
Tendo procurado
uma “linguagem de grau zero” para sistematizar a sua visão, Souto Moura refundou
a arquitetura moderna em Portugal e agora está a reinventá-la.
Observemos algumas
das suas obras mais emblemáticas.
CASA DAS ARTES, no
Porto (1981-1991)
Através desta
obra, Souto Moura afirma-se no panorama da arquitetura nacional. É com ela que
ganha o conceituado Prémio Secil de Arquitetura, em 1992.
A Casa das Artes é
proposta como um muro, que gera, no espaço que estabelece com o muro-limite do
terreno, a oportunidade para o programa necessário.
A Casa das Artes
tem dois pisos e integra dois auditórios, situados nas extremidades do volume
construído, espaços de exposição, consulta e serviços. O piso inferior é
dissimulado no solo, o que permite tornar verosímil a ideia de edifício-muro.
Os auditórios são espaços depurados com referência ao arquétipo do “anfiteatro”.
A presença de tijolo artesanal nas paredes remete para uma certa
intemporalidade tipológica.
Na parte exterior,
a presença de planos autonomizados e a utilização lúdica dos vidros denunciam
um projeto de manipulação formal.
A Casa das Artes é
ainda hoje uma arquitetura arrojada.
POUSADA CONVENTO
DE SANTA MARIA DE BOURO (1989-1997)
Este projeto foi o
primeiro grande teste à linguagem e ao método de Souto Moura, pois tratava-se
duma intervenção num edifício de alto valor patrimonial. Realizado em
co-produção com Humberto Vieira, este projeto é a adaptação do edifício preexistente
a uma pousada.
Como referência
cultural para a elaboração do projeto, Souto Moura escolheu o nosso tempo - o
tempo da ruína. Ao não repor o telhado no edifício deixa claro que não está
interessado em reencontrar ou reconstruir a História do Convento, mas antes em
fixar o seu momento atual, no sentido de aprofundar a poética visual que
observa. Chega a dizer: “era assim o edifício quando o vimos pela primeira vez.”
Todas as opções do
projeto são realizadas no sentido de acentuar a ruína, intercalando materiais
que possibilitem a sua habitabilidade e funcionamento.
O edifício é “objetualizado”,
os seus elementos estruturais e ornamentais são manipuláveis, as paredes
sugerem paramentos duma cenografia eterna. Todo o edifício é reapropriado para
servir visualmente, como textura, como espaço de pedras iluminado pela
suavidade da luz elétrica. A sua profundidade histórica é comprimida no plano
horizontal do presente e o seu presente é a ruína tornada habitável. O desenho
das caixilharias é realizado no sentido de manter a ilusão do vão sem vidro;
As infra-estruturas
são dissimuladas para que seja verosímil a instalação do conforto contemporâneo
na ruína contemporânea do edifício.
ESTÁDIO de BRAGA (2000-2003)
O Estádio surge
como uma operação paisagística no meio duma pedreira existente no Parque
Desportivo de Dume, na encosta norte do Monte Castro. A sua singularidade
resulta da articulação da grande dimensão que um estádio de futebol comporta
com um controle formal assinalável.
No estádio de
Braga, os elementos mínimos (duas bancadas, a pala, a sala sob o campo) surgem
numa escala muito ampliada.
A ausência das
habituais bancadas de topo permite a inserção natural do estádio na paisagem
envolvente, tornando-o quase um prolongamento daquela. A presença manipulada da
pedra no topo norte e nos interstícios da bancada poente é um motivo geológico
natural em diálogo com a artificialidade dos elementos arquitetónicos puros.
Remetendo para a
intemporalidade do anfiteatro greco-romano, o estádio de Braga convoca-nos para
a moderna engenharia onde dominam o betão e a iluminação elétrica.
Este estádio impõe-se
como um edifício paisagem.
Gabriel Vilas Boas