Etiquetas

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

DA ARTE, DA PINTURA, DA LITERATURA

“O meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e de olival. No Alentejo, pela Estremadura, através das duas Beiras, densas sebes ondulando por colina e vale, muros altos de pedra, ribeiras, estradas, delimitavam os campos desta velha família agrícola que já entulhava grão e plantava cepa em tempos de el-rei D. Dinis. A sua quinta e casa senhorial de Tormes, no Baixo Douro, cobriam uma serra(…).Mas o palácio onde Jacinto nascera, e onde sempre habitara, era em Paris, nos Campos Elísios, nº 202.”
Eça de Queirós, A Cidade e as Serras, 1901

Maria Rosas, Jacinto, Aguarela s/ papel

Cap. 3 «JACINTO»
«No 202, todos os dias às nove horas, depois do meu chocolate e ainda em chinelos, penetrava no quarto de Jacinto. Encontrava o meu amigo banhado, barbeado, friccionado, envolto num roupão de pelo de cabra do Tibete, diante da sua mesa de toillete, toda de cristal (por causa dos micróbios) e atulhada com utensílios de tartaruga, marfim, prata, aço e madrepérola que o homem do século XIX necessita para não desfear o conjunto sumptuário da civilização e manter nela o seu Tipo.»

Exposição “A Cidade e as Serras”
Maria Rosas
“A Cidade e as Serras” é, de longe, o meu livro preferido, que li e reli vezes sem conta ao longo da minha vida. Tenho um hábito estranho de revisitar aquilo de que gosto muito, como um bom livro, uma música, um filme, que olho e sinto sempre de maneira diferente, em busca de algo novo. Até os meus alunos ( quando os conteúdos assim mo lembram) provam um pouco do 202,com o seu Fonógrafo, o Telégrafo ou o Conferençofone, maravilhas do imparável progresso técnico oitocentista, num tumulto de Civilização.
Assim, no momento em que a Maria João me convidou para a sua vernissage que teve lugar numa das Galerias da famosa Miguel Bombarda, no Porto, exultei. Em primeiro lugar, porque gosto muito da Maria João, desde as tardes de gargalhadas claras que partilhámos nos tempos da faculdade; depois, porque a Exposição recebeu o nome do meu livro de eleição, que se espraia pelo cenário da cidade de Paris, no célebre 202 dos Campos Elísios e por Tormes, a serra alegre de todas as cores, numa viagem de encontro à Natureza e à Felicidade.
Nesta exposição individual, a Maria João ofereceu para nossa fruição dezasseis aguarelas sobre papel que ilustram de modo muito pessoal, cada um dos capítulos do livro. Entrou na personalidade de Jacinto, percorreu Paris e o 202,viajou até Tormes e mergulhou nas serranias únicas de um Portugal vetusto e singular, em cores únicas.
Das suas telas, emergiam aromas, ambientes, cores e sensações indescritíveis, pela mão de Eça que dava o mote para cada uma delas. A sua pintura, alegre, feminina, jovial, transportou-nos para um outro espaço e um outro mundo que ainda vamos a tempo de recuperar, mergulhando nas nossas raízes, na terra, seja ela do Douro, do Tâmega ou do Mondego.

Maria Rosas, A árvore, aguarela s/ papel.
Cap.9
«- É curioso… Nunca plantei uma árvore!
-Pois é um dos três grandes atos sem os quais, segundo diz não sei que filósofo, nunca se foi um verdadeiro homem… Fazer um filho, plantar uma árvore, escrever um livro. Tens de te apressar, para ser um homem.»


Não sendo completamente figurativa, a sua obra permite ao público uma viagem incrível pela cor e pela forma, num traço suave de grafismo quase a roçar um não sei quê de pontilhismo que dança connosco e se mistura na retina do observador. Não é possível ficar indiferente ao vendaval de sensações festivas que nos proporciona o olhar, tal como quando viajamos para o Douro. Também aqui, se me perguntam onde me apetece ir em passeio, claro que a resposta se adivinha:-Ao Douro, claro. Não me canso de revisitar aquilo de que gosto muito. Por isso, a aguarela “A caminho da serra”, me seduz e ensina o caminho das mil cores do meu Douro prazenteiro, onde, quem me dera, tal como Jacinto,”…uma terrina a fumegar…o caldo…de galinha que rescendia (...)e o seu perfume enternecia…”.E o arroz de favas, acompanhado de “um vinho fresco, esperto, seivoso, e tendo mais alma, entrando mais na alma, que muito poema ou livro santo.”

Maria Rosas, A caminho da serra, aguarela s/ papel

Cap. 8 «A caminho da serra»
«- Bem! Alea jacta est! Partamos pois para as serras!... E agora nem reflexão, nem descanso!...à obra! E a caminho!... no corredor gritou pelo Grilo, com uma larga e açodada voz que nunca lhe conhecera, e me lembrou a de um chefe ordenando, na alvorada, que se levante o acampamento…»

Aqui ficou um apontamento sobre a minha Maria João. Eu, tal como o Zé Fernandes, adoro as minhas amigas ,sobretudo porque sei que tenho poucas. E porque sei que elas são de qualidade superior. Para que conste, a Maria João nasceu no Porto e licenciou-se em Ciências Históricas pela UPT, em 1987.Frequentou o curso de Desenho e Pintura da Cooperativa Árvore, por Aníbal Remo e Mário Bismark, bem como o curso de História da Arte Contemporânea, por Fátima Lambert. Frequentou vários workshops, entre os quais um de ilustração, ministrado por Rui Sousa. Participou em várias exposições coletivas na Cooperativa Árvore, Faculdade de Arquitetura do Porto, Museu do Carro Elétrico e em muitas outras.
Algumas das exposições individuais:
Origami, Olga Santos Galeria, Porto, 2009
Lenços de Namorados, Da Vinci, Espaço Arte, 2011
A Cidade e as Serras, Da Vinci, Espaço Arte, 2012
Está igualmente representada em várias coleções particulares em França, Bélgica, Polónia, Espanha, Brasil e EUA.
Se a quiserem ver, estará numa coletiva, a partir de 8 de março, na Da Vinci, Espaço de Arte, coincidindo com as inaugurações de Miguel Bombarda. Eu não vou faltar.


Rosa Maria Alves da Fonseca

9 comentários:

  1. Sabes o que te digo? A tua escrita saboreia-se como as cerejas! De comer e chorar por mais.
    Agradecida Gabriel!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É um prazer cada vez maior ler os textos sobre pintura da Rosa. O blogue ganha muito com a sua colaboração.

      Eliminar
  2. O texto está magnifico, parabéns e obrigada à autora Rosa Maria, minha amiga

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Com tão boa inspiração, a Rosa Maria Fonseca só podia escrever um texto tão bom como este...

      Eliminar
  3. O TEXTO SOBRE PINTURA ESTÁ EXCELENTE!!! PARABENS À AUTORA... OBRIGADA GABRIEL!!!

    ResponderEliminar
  4. A correlação entre a escrita e o sentimento afetivo é percetível ao longo do texto. Uma verdadeira sensação de extasiar. Parabéns.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Em primeiro lugar, obrigado Marta por ler este nosso blogue. Espero que volte mais vezes, pois há novidades todos os dias. Quanto ao seu comentário: tenho a mesma impressão. Grande parte da força e da qualidade do texto de Rosa Fonseca provem do afeto que ela revela pelos assuntos sobre que escreve.

      Eliminar
  5. Aqui a Rosa Maria já corou duas vezes; obrigada, meus Amigos de qualidade superior. Este projeto escrito a várias mãos, deve tudo ao Gabriel, que nos deu total liberdade para a escolha dos temas.
    Rosa Maria Fonseca

    ResponderEliminar