“O meu amigo Jacinto
nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de
vinhedo, de cortiça e de olival. No Alentejo, pela Estremadura, através das
duas Beiras, densas sebes ondulando por colina e vale, muros altos de pedra, ribeiras,
estradas, delimitavam os campos desta velha família agrícola que já entulhava
grão e plantava cepa em tempos de el-rei D. Dinis. A sua quinta e casa
senhorial de Tormes, no Baixo Douro, cobriam uma serra(…).Mas o palácio onde
Jacinto nascera, e onde sempre habitara, era em Paris, nos Campos Elísios, nº
202.”
Eça de
Queirós, A Cidade e as Serras, 1901
Maria Rosas, Jacinto, Aguarela s/ papel |
Cap. 3 «JACINTO»
«No 202, todos os dias às nove horas, depois do meu chocolate e ainda em chinelos, penetrava no quarto de Jacinto. Encontrava o meu amigo banhado, barbeado, friccionado, envolto num roupão de pelo de cabra do Tibete, diante da sua mesa de toillete, toda de cristal (por causa dos micróbios) e atulhada com utensílios de tartaruga, marfim, prata, aço e madrepérola que o homem do século XIX necessita para não desfear o conjunto sumptuário da civilização e manter nela o seu Tipo.»
Maria
Rosas
“A Cidade e as Serras” é,
de longe, o meu livro preferido, que li e reli vezes sem conta ao longo da
minha vida. Tenho um hábito estranho de revisitar aquilo de que gosto muito,
como um bom livro, uma música, um filme, que olho e sinto sempre de maneira
diferente, em busca de algo novo. Até os meus alunos ( quando os conteúdos
assim mo lembram) provam um pouco do 202,com o seu Fonógrafo, o Telégrafo ou o
Conferençofone, maravilhas do imparável progresso técnico oitocentista, num
tumulto de Civilização.
Assim, no momento em que a
Maria João me convidou para a sua vernissage
que teve lugar numa das Galerias da famosa Miguel Bombarda, no Porto,
exultei. Em primeiro lugar, porque gosto muito da Maria João, desde as tardes
de gargalhadas claras que partilhámos nos tempos da faculdade; depois, porque a
Exposição recebeu o nome do meu livro de eleição, que se espraia pelo cenário
da cidade de Paris, no célebre 202 dos Campos Elísios e por Tormes, a serra
alegre de todas as cores, numa viagem de encontro à Natureza e à Felicidade.
Nesta exposição
individual, a Maria João ofereceu para nossa fruição dezasseis aguarelas sobre
papel que ilustram de modo muito pessoal, cada um dos capítulos do livro.
Entrou na personalidade de Jacinto, percorreu Paris e o 202,viajou até Tormes e
mergulhou nas serranias únicas de um Portugal vetusto e singular, em cores
únicas.
Das suas telas, emergiam
aromas, ambientes, cores e sensações indescritíveis, pela mão de Eça que dava o
mote para cada uma delas. A sua pintura, alegre, feminina, jovial,
transportou-nos para um outro espaço e um outro mundo que ainda vamos a tempo
de recuperar, mergulhando nas nossas raízes, na terra, seja ela do Douro, do
Tâmega ou do Mondego.
Maria Rosas, A árvore, aguarela s/ papel. |
«- É curioso… Nunca plantei uma árvore!
-Pois é um dos três grandes atos sem os quais, segundo diz não sei que filósofo, nunca se foi um verdadeiro homem… Fazer um filho, plantar uma árvore, escrever um livro. Tens de te apressar, para ser um homem.»
Não sendo completamente
figurativa, a sua obra permite ao público uma viagem incrível pela cor e pela
forma, num traço suave de grafismo quase a roçar um não sei quê de pontilhismo
que dança connosco e se mistura na retina do observador. Não é possível ficar
indiferente ao vendaval de sensações festivas que nos proporciona o olhar, tal
como quando viajamos para o Douro. Também aqui, se me perguntam onde me apetece
ir em passeio, claro que a resposta se adivinha:-Ao Douro, claro. Não me canso
de revisitar aquilo de que gosto muito. Por isso, a aguarela “A caminho da
serra”, me seduz e ensina o caminho das mil cores do meu Douro prazenteiro,
onde, quem me dera, tal como Jacinto,”…uma terrina a fumegar…o caldo…de galinha
que rescendia (...)e o seu perfume enternecia…”.E o arroz de favas, acompanhado
de “um vinho fresco, esperto, seivoso, e tendo mais alma, entrando mais na
alma, que muito poema ou livro santo.”
Maria Rosas, A caminho da serra, aguarela s/ papel |
Cap. 8 «A caminho da serra»
«- Bem! Alea jacta est! Partamos pois para as serras!... E agora nem reflexão, nem descanso!...à obra! E a caminho!... no corredor gritou pelo Grilo, com uma larga e açodada voz que nunca lhe conhecera, e me lembrou a de um chefe ordenando, na alvorada, que se levante o acampamento…»
Aqui ficou um apontamento
sobre a minha Maria João. Eu, tal como o Zé Fernandes, adoro as minhas amigas
,sobretudo porque sei que tenho poucas. E porque sei que elas são de qualidade
superior. Para que conste, a Maria João nasceu no Porto e licenciou-se em
Ciências Históricas pela UPT, em 1987.Frequentou o curso de Desenho e Pintura
da Cooperativa Árvore, por Aníbal Remo e Mário Bismark, bem como o curso de
História da Arte Contemporânea, por Fátima Lambert. Frequentou vários
workshops, entre os quais um de ilustração, ministrado por Rui Sousa.
Participou em várias exposições coletivas na Cooperativa Árvore, Faculdade de
Arquitetura do Porto, Museu do Carro Elétrico e em muitas outras.
Algumas das exposições
individuais:
Origami, Olga Santos
Galeria, Porto, 2009
Lenços de Namorados, Da
Vinci, Espaço Arte, 2011
A Cidade e as Serras, Da
Vinci, Espaço Arte, 2012
Está igualmente
representada em várias coleções particulares em França, Bélgica, Polónia,
Espanha, Brasil e EUA.
Se a quiserem ver, estará
numa coletiva, a partir de 8 de março, na Da Vinci, Espaço de Arte, coincidindo
com as inaugurações de Miguel Bombarda. Eu não vou faltar.
Rosa Maria Alves da Fonseca
Sabes o que te digo? A tua escrita saboreia-se como as cerejas! De comer e chorar por mais.
ResponderEliminarAgradecida Gabriel!
É um prazer cada vez maior ler os textos sobre pintura da Rosa. O blogue ganha muito com a sua colaboração.
EliminarO texto está magnifico, parabéns e obrigada à autora Rosa Maria, minha amiga
ResponderEliminarCom tão boa inspiração, a Rosa Maria Fonseca só podia escrever um texto tão bom como este...
EliminarO TEXTO SOBRE PINTURA ESTÁ EXCELENTE!!! PARABENS À AUTORA... OBRIGADA GABRIEL!!!
ResponderEliminarÉs uma querida Ana. Continuamos à espera da tua foto...
EliminarA correlação entre a escrita e o sentimento afetivo é percetível ao longo do texto. Uma verdadeira sensação de extasiar. Parabéns.
ResponderEliminarEm primeiro lugar, obrigado Marta por ler este nosso blogue. Espero que volte mais vezes, pois há novidades todos os dias. Quanto ao seu comentário: tenho a mesma impressão. Grande parte da força e da qualidade do texto de Rosa Fonseca provem do afeto que ela revela pelos assuntos sobre que escreve.
EliminarAqui a Rosa Maria já corou duas vezes; obrigada, meus Amigos de qualidade superior. Este projeto escrito a várias mãos, deve tudo ao Gabriel, que nos deu total liberdade para a escolha dos temas.
ResponderEliminarRosa Maria Fonseca