Etiquetas

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

O HERÓI QUE NÃO VEM NA HISTÓRIA

GENTE ANÓNIMA
Normalmente, atribuímos um lugar na História dum povo ou dos povos a uma figura emblemática, a um acontecimento ou até a um grupo determinado. Raramente nos lembramos do papel determinante que a gente anónima tem na História. No entanto, o seu papel é decisivo em muitos momentos, apesar de poucos historiadores lhe fazer a justiça devida.
Recordo da minha adolescência o livro que me conquistou para a leitura. Chamava-se “O homem que salvou Londres”. Não me lembro do seu autor, mas está nítida na minha memória a história verídica: um homem, um cidadão francês, procurava todos os dias recolher informações sobre a localização das posições de ataque nazis no norte de França para depois as passar à Resistência francesa a fim de chegarem aos Aliados. Algumas dessas informações tornaram infrutíferos ataques aéreos alemães ao Reino Unido. De tal forma esta intervenção de gente anónima como o herói do meu romance foi decisiva que Winston Churchill não deixou de, brevemente, lhes agradecer no final da II Grande Guerra.



Há certamente momentos em que a História reclama a intervenção de seres excecionais e únicos. Grandes líderes militares, notáveis estadistas, extraordinários reis, homens visionários que marcaram não só a vida dos seus povos como da Humanidade. Quase sempre essas ações apenas foram possíveis porque gente anónima lhes deu corpo. Foi assim nas batalhas decisivas das Grandes Guerras, foi assim em momentos de tensão entre povos poderosos, continua a ser assim na atualidade.
                Ninguém sabe o rosto ou a identidade dos milhares de egípcios que derrubaram Hosni Mubarak ou quem esteve por trás da queda do outrora grande Saddam Hussein. Mas essa gente foi decisiva. Os compêndios de História não lhe fazem o justo reconhecimento, mas a sua marca é indelével.
                Hoje a “gente anónima” está entrincheirada num grupo vago a que chamámos opinião pública. Está difusa, insegura, desmemoriada, aturdida. Sem força nem vontade para tomar o seu lugar na História. Curioso como os tempos de paz tornam fracos os homens. A guerra esclarece dúvidas e enobrece atitudes. No entanto, o Homem não é só instinto de sobrevivência, nem a realidade se divide em Guerra e Paz. A História dos povos vai muito além disso. Ao contrário das obras de arte ou do passado, a História não serve para estar no museu.
                A História serve para aprendermos com ela. E uma das lições mais básicas que podemos aprender é que é impossível escrever a História sem a forte contributo de gente anónima.


Gabriel Vilas Boas

8 comentários:

  1. Homens anónimos construíram o convento de Mafra, mas é o nome de D. João V que ficará para sempre associado à sua construção, como procurou mostrar Saramago no seu Memorial.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não me lembrei desse exemplo tão elucidativo. Ainda bem que o trouxeste à discussão, Deep. Li o livro e adorei. Uma das razões foi mostrar como gente anónimo fez História (da arte, da Igreja, de Portugal) sem nunca o país lhes fazer a justiça que merece. Bem-vindo aos comentários deste blog, Deep.

      Eliminar
  2. Ainda hoje falei aos meus alunos da importância de aprendermos com o passado e com a História. Estes líderes de meia tijela tendem a apagar por completo o ontem como se ele não existisse e como se a História tivese acabado. Não acabou. E sendo certo que não se repete nunca da mesma maneira, a verdade é que vai-se repetindo aqui e ali... e veremos onde ela nos conduz!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Um dos papeis dos professores de História é colocar os alunos a pensar com a História. E tu fazes isso de modo extraordinário, Anabela Magalhães.

      Eliminar
  3. A História não faz jus aos anónimos, mas não se escreveria nunca sem eles. Bom texto, Gabriel.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado, Rosa Maria Fonseca. O texto pretendeu ser um ponto de partida para a reflexão e uma homenagem, pequena, aos anónimos que foram heróis.

      Eliminar
  4. Boa homenagem aos anónimos que foram heróis. Excelente texto Gabriel!!!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado. Os heróis desconhecido são tão heróis como os outros.

      Eliminar