GENTE ANÓNIMA
Normalmente,
atribuímos um lugar na História dum povo ou dos povos a uma figura emblemática,
a um acontecimento ou até a um grupo determinado. Raramente nos lembramos do
papel determinante que a gente anónima tem na História. No entanto, o seu papel
é decisivo em muitos momentos, apesar de poucos historiadores lhe fazer a
justiça devida.
Recordo da
minha adolescência o livro que me conquistou para a leitura. Chamava-se “O
homem que salvou Londres”. Não me lembro do seu autor, mas está nítida na minha
memória a história verídica: um homem, um cidadão francês, procurava todos os
dias recolher informações sobre a localização das posições de ataque nazis no
norte de França para depois as passar à Resistência francesa a fim de chegarem
aos Aliados. Algumas dessas informações tornaram infrutíferos ataques aéreos
alemães ao Reino Unido. De tal forma esta intervenção de gente anónima como o
herói do meu romance foi decisiva que Winston Churchill não deixou de,
brevemente, lhes agradecer no final da II Grande Guerra.
Há certamente
momentos em que a História reclama a intervenção de seres excecionais e únicos.
Grandes líderes militares, notáveis estadistas, extraordinários reis, homens
visionários que marcaram não só a vida dos seus povos como da Humanidade. Quase
sempre essas ações apenas foram possíveis porque gente anónima lhes deu corpo. Foi
assim nas batalhas decisivas das Grandes Guerras, foi assim em momentos de
tensão entre povos poderosos, continua a ser assim na atualidade.
Ninguém
sabe o rosto ou a identidade dos milhares de egípcios que derrubaram Hosni
Mubarak ou quem esteve por trás da queda do outrora grande Saddam Hussein. Mas
essa gente foi decisiva. Os compêndios de História não lhe fazem o justo
reconhecimento, mas a sua marca é indelével.
Hoje
a “gente anónima” está entrincheirada num grupo vago a que chamámos opinião
pública. Está difusa, insegura, desmemoriada, aturdida. Sem força nem vontade
para tomar o seu lugar na História. Curioso como os tempos de paz tornam fracos
os homens. A guerra esclarece dúvidas e enobrece atitudes. No entanto, o Homem
não é só instinto de sobrevivência, nem a realidade se divide em Guerra e Paz.
A História dos povos vai muito além disso. Ao contrário das obras de arte ou do
passado, a História não serve para estar no museu.
A
História serve para aprendermos com ela. E uma das lições mais básicas que podemos
aprender é que é impossível escrever a História sem a forte contributo de gente anónima.
Gabriel Vilas Boas
Homens anónimos construíram o convento de Mafra, mas é o nome de D. João V que ficará para sempre associado à sua construção, como procurou mostrar Saramago no seu Memorial.
ResponderEliminarNão me lembrei desse exemplo tão elucidativo. Ainda bem que o trouxeste à discussão, Deep. Li o livro e adorei. Uma das razões foi mostrar como gente anónimo fez História (da arte, da Igreja, de Portugal) sem nunca o país lhes fazer a justiça que merece. Bem-vindo aos comentários deste blog, Deep.
EliminarAinda hoje falei aos meus alunos da importância de aprendermos com o passado e com a História. Estes líderes de meia tijela tendem a apagar por completo o ontem como se ele não existisse e como se a História tivese acabado. Não acabou. E sendo certo que não se repete nunca da mesma maneira, a verdade é que vai-se repetindo aqui e ali... e veremos onde ela nos conduz!
ResponderEliminarUm dos papeis dos professores de História é colocar os alunos a pensar com a História. E tu fazes isso de modo extraordinário, Anabela Magalhães.
EliminarA História não faz jus aos anónimos, mas não se escreveria nunca sem eles. Bom texto, Gabriel.
ResponderEliminarObrigado, Rosa Maria Fonseca. O texto pretendeu ser um ponto de partida para a reflexão e uma homenagem, pequena, aos anónimos que foram heróis.
EliminarBoa homenagem aos anónimos que foram heróis. Excelente texto Gabriel!!!
ResponderEliminarObrigado. Os heróis desconhecido são tão heróis como os outros.
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