“A multidão vê numa
tela algo que a prende pela garganta ou pelo coração e não pede ao artista
outra coisa que não seja uma lágrima ou um sorriso. Para mim, pelo contrário,
uma obra de arte é uma personalidade, uma individualidade. O que peço ao
artista(…)é que ele se entregue, coração e carne, é que afirme bem alto um
espírito forte e particular; façam verdadeiro e eu aplaudirei; mas, sobretudo,
façam individual e vivo e eu aplaudirei ainda mais.”
Emile Zola, Salon de 1866
Este
clamor de Zola pela subjetividade na Arte, em perfeita rebelião contra o
realismo emergente do século XIX, encontrou eco em muitos entendidos da arte do
seu tempo. Imaginem que até encontrou eco na minha singela pessoa, que a li
muitos anos depois, claro, num dos muitos livros que tive de consultar enquanto
aluna e que, de quando em vez, espreito de novo, para preparar uma aula ou
apenas para um tête-a-tête solitário, numa noite de outono ou numa tarde
cinzenta e chata de inverno.
Como estamos
numa semana especial de fevereiro, em que desejamos todos(?) viver o romance, a
emoção ,o amor, a amizade, sei lá eu…. Deixemo-nos de devaneios sobre Zola e
outros ismos, retrocedamos até
Fragonard e vamos ao que realmente interessa. Então amanhã não é dia 14?
Jean-Honoré Fragonard, O Beijo Roubado,1788
Museu Hermitage, São Petersburg
Fragonard,
pintor francês do Séc. XVIII, frequentou o ateliê de Boucher e conheceu a obra
de muitos pintores barrocos, como Cortona, que admirara em Itália, onde viveu
graças ao Prix de Rome, tendo recebido e assimilado várias influências
marcantes destes pintores. De personalidade difícil e temperamental, recorreu à
sociedade de corte de Luís XV, tendo inclusive recebido encomendas do próprio
rei. É agora de regresso a Paris, que mergulhado em pleno Rocócó, se dedica à
pintura de cenas galantes, sempre manifestando a influência de Boucher. As
encomendas vão surgindo, provenientes de uma alta nobreza mais livre, que após
a morte de Luís XIV, sai de Versailles e se fixa em Paris, onde manda erguer
lindas residências, conhecidas como hôtels.
O Rocócó afirma-se então (ou o estilo de Luís XV, como também é
conhecido),tolerante, irreverente, intimista, criado para uma elite que aprecia
a festa galante e que valoriza os espaços mais elegantes e refinados, inundados
pela suavidade de cores delicadas.
A
pintura Rocócó reflete também o gosto das elites setecentistas. Fragonard será
o grande intérprete daquela tendência cortesã onde abundarão cenas galantes,
que evidenciam o amor, a sedução, a ironia, a sensualidade, onde o pitoresco e
o frívolo nos aparecem com grande graciosidade. Nesta obra, O Beijo Roubado, o
artista pinta o amor, colocando a elegante figura feminina em primeiro plano,
apanhada “de surpresa” pelo gesto inesperado do seu Romeu, difuso na sombra; mais
difusa ainda a cena de corte quase em sfumato
renascentista, a quem a personagem principal quer escapar. O gosto holandês
pelo detalhe está presente na tapeçaria. Herança de Rubens e Rembrandt que ele
tanto apreciou?
Para
além do tema delicioso, a paleta de cores do Rocócó agrada-me particularmente.
Os tons pastel e os nacarados inundam de
suavidade esta tela, dando-lhe uma graça especial. O claro-escuro também marca
presença, como podemos observar no jorro de luz que recai sobre a menina,
deixando a restante composição em bruma. E eis uma obra-prima, um hino ao Amor.
Vá, não
se demorem. Inspirem-se neste beijo e corram sem medo para o vosso amado,
namorado, ou amigo (por favor, ler no feminino também)… roubem, atirem,
sussurrem…beijem a Mãe, o Pai…não são eles o nosso primeiro amor? Beijem a
testa, beijem a mão, a face corada, ou o lábio apetecido. Como quiserem. Beijo
respeitoso, fraterno, amigo…sensual. Mas beijem. Se tiverem dúvidas, seguem-se
alguns modelos. Por exemplo, o beijo Fragonard é ardiloso, tomem cuidado. Se
quiserem, inspirem-se em O beijo, de Rodin, de que também gosto. Um outro que
aprecio, Der Kuss, de Klimt. Ousado, não abusem. De Brancusi, Le Baiser. Vem
com abraço terno, fica sempre bem. E, se gostarem de fotografia, espreitem
Robert Doisneau, onde Françoise Bornet e Jacques Carteaud se envolvem num
verdadeiro beijo cinematográfico. Chocante para os anos 50 em Portugal, mas
perfeitamente normal em Paris.
E, se
depois de muito pensar, resolver que ninguém está à altura do seu beijo, não
desespere. Ainda faltam 24 horas para o S. Valentim. E tudo é possível em 24
horas. Boa sorte.
Rosa
Maria Alves da Fonseca
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