PROJETANDO O FUTURO
COM TODOS
A
arquitetura é uma arte muito exigente. Necessita de espaço, precisa de recursos
avultados, não dispensa o génio. Normalmente tem de lutar ainda com a
incompreensão generalizada porque costuma afirmar--se pela rutura com aquilo que
existe. É fácil encontrar gente com opinião, difícil é descobrir quem o faça de
modo sustentado e dominando as várias perspetivas desta arte.
Eu
gosto de olhar para a ideia arquitetónica duma cidade e talvez por isso admire
a obra de Oscar Niemeyer, sobretudo o seu trabalho em Brasília. Mas o meu maior
fascínio é a maneira como os arquitetos trabalham a relação dos espaços e dos
edifícios com as pessoas. Com todas as pessoas. Tenho um particular apreço por
aqueles que fazem propostas que têm em conta os cegos, os tetraplégicos ou as pessoas
portadoras dum qualquer outro tipo de deficiência física-motora.
Alguns
arquitetos já trabalham esses domínios em alguns edifícios públicos. No
entanto, parece-me ainda claramente insuficiente. Desde logo porque
são poucos os edifícios públicos que procuram promover uma arquitetura de
inclusão, mas também porque não há o cuidado de alargar esse conceito às ruas em
volta e grande parte do efeito pretendido perde-se. O que adianta um edifício
estar preparado para receber uma pessoa de cadeira de rodas se o acesso se faz
apenas por escadas? O investimento feito torna-se improdutivo e facilmente
criticável. Os arquitetos devem educar os seus “clientes” para a necessidade de
promover uma arquitetura inclusiva coerente. Por impositivo legal os edifícios
públicos que agora se constroem de raiz já não negligenciam esta valência. E desejável
seria que o mesmo se aplicasse às obras de recuperação de edifícios públicos ou
privados com uma utilização coletiva.
Acho
que podemos e devemos ir um pouco mais longe do ponto em que nos encontramos. O
conceito de arquitetura inclusiva deve estar presente na construção particular
e pública. As casas que os arquitetos hoje projetam devem considerar a
possibilidade de serem habitadas ou frequentadas por pessoas com alguma
limitação física ou motora. Há dezenas de pormenores no desenho interior e
exterior duma casa que não consideram a existência deste tipo de pessoas. E
elas existem. Quase todas as famílias têm um tio, um irmão, um amigo que não
vai lá casa porque o acesso só se faz por escadas ou porque uma cadeira de
rodas tem dificuldade em circular pelos vários espaços da casa, impreparados
para elas.
Se
pensarmos que as nossas capacidades físicas se vão degradando ao longo dos
anos, percebemos rapidamente que a arquitetura de inclusão dará uma ótima ajuda
a quase todos quando a velhice chegar.
Com
o aumento da esperança de vida, a arquitetura do século XXI tem um grande
desafio pela frente: prolongar o bem-estar das pessoas nas suas casas o maior
número de anos possível e contribuir de forma efetiva para uma sociedade
integradora, onde a partilha dos espaços, dos objetos, dos edifícios e dos
afetos seja possível para todos.
Gabriel
Vilas Boas
Gabriel, o teu texto é muito atual e oportuno. Bem hajas.
ResponderEliminarSem dúvida que estás cheio de razão. Esquecemos, frequentemente, que até hoje podemos ser nós... cada um de nós...
ResponderEliminarParabéns pela mensagem aqui passada. Os nossos Arquitetos estão muito longe de considerar a inclusão como uma mais valia para os seus projetos. Lamento que assim seja mas é a verdade nua e crua. A grande maioria nem se digna a cumprir as leis. As Pessoas com Mobilidade Reduzida continuam a ser excluídas. Em 2013 comecei a tratar a temática da acessibilidade através de um Blogue - Minuto Acessível - e acredito que a contribuição de todos pode ajudar a mudar mentalidades. No entanto, começo a perceber que o caminho a percorrer vai ter que passar necessariamente pelos tribunais. Há leis que não se cumprem, as entidades fiscalizadores não atuam pelo que esse rumo será inevitável com o senão de sermos cúmplices do estado das 'coisas'. Vou seguir o blogue. Um abraço
ResponderEliminarFernando Cardoso, embora concorda que ainda há muito a fazer nesta área, já consigo encontrar arquitetos com atenção às necessidades das pessoas com mobilidade reduzida. São poucos, mas em breve serão mais. É necessário que se crie uma cultura de inclusão. Quer o seu blogue quer este texto são um pequeno contributo. Obrigado pelo participação.
EliminarCom o aumento da esperança de vida, deviamos refletir na arquitetura... mas a começar pelos nossos Arquitetos!!! PARABÉNS GABRIEL!!!
ResponderEliminarPlenamente de acordo. É necessário todos refletirem sobre qual a arquitetura mais prática para todas as pessoas, sem com isso descurar o lado estético.
ResponderEliminareste é um assunto perigoso, pois quem tiver uma opinião um pouco diferente é crucificado. Sou arquiteto e tenho 3 membros da minha família com deficiência motora e acho que as leis em vigor são demasiadamente pesadas para a realidade. Nos edifícios públicos estou de acordo em que seja aplicada a lei das acessibilidades, embora isso não acontece e não é culpa dos arquitetos, eu já fiz espaços públicos, apliquei a lei das acessibilidades, mas a entidade depois não construiu, eles dizem que não tem de cumprir a lei pois os projectos são camarários e não precisam de aprovação. Mas a nivel particular acho ridículo, tenho cliente que não querem colocar rampas em casa, ou elevadores, etc e acho que estão no seu direito, apenas acho que se deveria de deixar espaço suficiente para que no futuro seja possível a transformação, mas na realidade a lei exige que fique já transformado, lei ridícula.
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