“Amo-te tudo, meu amor!”
Cartas de Guerra de Ivo Ferreira é realmente um filme
fabuloso e extraordinário, que nos fará gostar muito mais de António Lobo
Antunes, mesmo sem o ter lido muito, mesmo que nem sempre gostemos da sua
repetitiva temática.
É antes de mais um filme sobre a guerra colonial portuguesa
vista a partir do íntimo de um jovem médico-soldado (António), que se
desnuda através de belíssimas e apaixonadas cartas poéticas que escreve à jovem
esposa.
O filme é importante porque enfoca a final da guerra
colonial portuguesa em Angola da perspetiva certa e é apaixonante, porque as
cartas que Lobo Antunes escreveu à mulher e que servem de narrativa à película
de Ivo Ferreira mostram um Amor tão puro, tão sincero e arrebatador que
sensibiliza e comove qualquer espectador.
Nada no filme é feito ao acaso. Cada situação, cada
pormenor (e como eles são cuidados!) são emblemáticos e referem-se a aspetos
importantes que muitos soldados sentiram durante os longos meses que passaram
nas matas africanas.
Sobre a guerra colonial, o filme reforça o pensamento de
Lobo Antunes: tratava-se de um conflito absurdo (os soldados portugueses
davam-se bem com os negros e ganhavam facilmente afeição a velhos e crianças);
o quanto custava aos nossos soldados o afastamento das famílias, sob todas as
perspetivas, embora o lado afetivo e sexual seja o mais vincado; a noção que o
tempo passava exasperadamente devagar, dado por uma narrativa lenta; a certeza
que a guerra transforma todos sem exceção (“Uma coisa tenho como certa: saírem daqui
uma pessoa completamente diferente daquela que cheguei!”); as dúvidas sobre a
manutenção do amor das esposas, já que o tempo de tropa era longo.
Sobre a perspetiva técnica, Ivo Ferreira recria na
perfeição a atmosfera do início dos anos setenta: o preto e branco lembra o
tempo em que não havia televisão a cores; os relatos de futebol do Benfica, o
discurso de Marcelo Caetano, as músicas que lembravam a saudade de casa, os
jogos de cartas nas casernas para matar os tempos mortos, as ciladas na mata, a
fabulosa beleza de África, filmada do céu, invadindo a nossa alma.
E por cima disso tudo, o poderoso amor que brotava da prosa
poética das cartas do protagonista para a sua amada.
Só por isso vale a pena ir ver o filme, mas o resto também
é soberbo.
Gabriel Vilas Boas
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