Etiquetas

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

CARTAS DE GUERRA


“Amo-te tudo, meu amor!”

Cartas de Guerra de Ivo Ferreira é realmente um filme fabuloso e extraordinário, que nos fará gostar muito mais de António Lobo Antunes, mesmo sem o ter lido muito, mesmo que nem sempre gostemos da sua repetitiva temática.
É antes de mais um filme sobre a guerra colonial portuguesa vista a partir do íntimo de um jovem médico-soldado (António), que se desnuda através de belíssimas e apaixonadas cartas poéticas que escreve à jovem esposa.

O filme é importante porque enfoca a final da guerra colonial portuguesa em Angola da perspetiva certa e é apaixonante, porque as cartas que Lobo Antunes escreveu à mulher e que servem de narrativa à película de Ivo Ferreira mostram um Amor tão puro, tão sincero e arrebatador que sensibiliza e comove qualquer espectador.
Nada no filme é feito ao acaso. Cada situação, cada pormenor (e como eles são cuidados!) são emblemáticos e referem-se a aspetos importantes que muitos soldados sentiram durante os longos meses que passaram nas matas africanas.
Sobre a guerra colonial, o filme reforça o pensamento de Lobo Antunes: tratava-se de um conflito absurdo (os soldados portugueses davam-se bem com os negros e ganhavam facilmente afeição a velhos e crianças); o quanto custava aos nossos soldados o afastamento das famílias, sob todas as perspetivas, embora o lado afetivo e sexual seja o mais vincado; a noção que o tempo passava exasperadamente devagar, dado por uma narrativa lenta; a certeza que a guerra transforma todos sem exceção (“Uma coisa tenho como certa: saírem daqui uma pessoa completamente diferente daquela que cheguei!”); as dúvidas sobre a manutenção do amor das esposas, já que o tempo de tropa era longo.

Sobre a perspetiva técnica, Ivo Ferreira recria na perfeição a atmosfera do início dos anos setenta: o preto e branco lembra o tempo em que não havia televisão a cores; os relatos de futebol do Benfica, o discurso de Marcelo Caetano, as músicas que lembravam a saudade de casa, os jogos de cartas nas casernas para matar os tempos mortos, as ciladas na mata, a fabulosa beleza de África, filmada do céu, invadindo a nossa alma.

E por cima disso tudo, o poderoso amor que brotava da prosa poética das cartas do protagonista para a sua amada.
Só por isso vale a pena ir ver o filme, mas o resto também é soberbo.

Gabriel Vilas Boas

Sem comentários:

Enviar um comentário