A maioria de nós costuma identificar a organização como a
qualidade alemã que faz sobressair aquele país no contexto europeu e mundial, mas esta é
apenas a face mais visível de uma máquina bem oleada, onde outros princípios
também são importantes. Um deles é não varrer os problemas para debaixo do
tapete, esperando que o tempo os resolva.
Não é típico dos alemães dar uma resposta emocional a um
problema social, todavia não o esquecem. No tempo certo encontram a resposta mais
adequada. Sem espalhafatos e com eficácia.
Há seis meses, na noite da passagem de ano, em Colónia,
várias raparigas alemãs foram molestada sexualmente. O caso causou grande
polémica por dois motivos: grande parte dos acusados eram emigrantes (o que
punha em perigo os esforços das autoridades alemãs para convencer os seus
parceiros da União Europeia para acolher os refugiados) e o comentário de uma autarca de
Colónia que sugeriu que as jovens “se puseram a jeito da violação”, devido às suas
atitudes provocatórias.
Serenamente, as autoridades alemãs deglutiram os
acontecimentos e agiram, alterando a lei, ou seja, redefinindo a definição de
violação. Até agora só era considerado violação “todo e qualquer ato sexual
obtido por violência ou por ameaça à vida ou integridade física, quando a
vítima ficava privada de defesa”. Na prática, a lei que punia a violação na
Alemanha, datada de 1998, apenas considerava violação quando o homem agredia ou
ameaçava. Se uma mulher implorasse, a chorar, para que o homem parasse ou lhe
dissesse explicitamente que não queria aquele ato sexual e mesmo assim ele
fosse consumado, isso não era considerado violação.
Com a lei aprovada por unanimidade, ontem, pela câmara baixa do
Parlamento alemão, passa a ser considerado violação “qualquer ato sexual
cometido contra a vontade identificável da outra pessoa”, ou seja, quando alguém
persiste contra um “não” está a cometer violação.
Este passo legal, que a Alemanha dá, é de enorme
importância e um grande progresso na mentalidade de um povo, que ainda há 25
anos não considerava crime a violação obtida dentro do casamento.
Alguns críticos desta lei sugerem que ela é populista, que
originará uma multiplicação de falsas acusações. Não creio, apesar de ser mais
fácil acusar injustamente alguém. O bem que se protege é um bem maior. Esta lei
alemã (que ainda precisa de ser ratificada pela câmara alta do Parlamento alemão -
o Senado) é uma pedra necessária na construção do grande edifício da dignidade
humana, em especial da dignidade das mulheres.
Uma pretensa sugestão de vontade jamais se pode confundir
com um consentimento e nunca poderá justificar uma violação. Um não é um não,
como um sim é um sim. O desejo sexual, como qualquer outro desejo, é
perfeitamente controlável pela razão. Pode parecer absurdo (de tão óbvio que é)
estar a plasmar na lei um raciocínio tão linear como este, mas várias decisões
judiciais, em alguns países, tornaram necessária esta clareza legal.
Apesar da boa nova que constitui esta lei alemã (que
gostaria de ver replicada noutros países), é bom lembrar que a lei só por si
não chega. É necessário trabalhar a mentalidade de jovens e menos jovens, para
que este tema tão delicado, íntimo e importante na vida de cada um não se torne
um pesadelo com danos incalculáveis e irreversíveis.
Gabriel Vilas Boas
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