O Nascimento de Vénus, têmpera sobre tela, 1478, Galleria degli Uffizi
Um
vento suave de Primavera emoldurava Florença e ensinava o caminho para os
Uffizi. As horas decorriam e tudo se preparava para o encontro mais aguardado
por mim. A Galleria estava lá, convidativa, orgulhosa do seu traço Vasariano e
dona de preciosas provas do talento e génio artístico do Homem. Sobranceira ao
Arno, trocando olhares constantes com a Ponte Vecchio, esta Galleria
incontornável em Florença e no Mundo deve a sua existência e a maioria do seu
acervo a Anna Maria Luisa de Médici, última herdeira daquela dinastia.
Vista para o Arno a partir da Galleria degli Uffizi |
Mulher
de visão, compreendeu desde cedo a importância de Florença como cidade fundamental
do Grand Tour, já muito praticado pelas elites nobres mundiais como parte
integrante da sua formação. O legado de Anna Maria Luísa à cidade, aos
florentinos e aos turistas veio contribuir mais ainda para a integração de
Florença nos roteiros turísticos culturais italianos e hoje a cidade recebe, em
média, seis milhões de turistas anuais. Todos e cada um buscam Florença por um
motivo especial. O acervo deste museu é com toda a certeza, um deles. Trabalhos
de Giotto, Piero della Francesca, Fra Angelico, Fillippo Lippi, Corregio, Leonardo
da Vinci, Rafael, Miguel Ângelo, Caravaggio desfilam perante nós e
deliciam-nos. O Corridoio Vasariano de 1565 e que liga o edifício degli Uffizi
com o Palazzo Vecchio e com o Palazzo Pitti,alberga uma importante coleção de
pintura setecentista e a Collezione degli Autoritratti.
Percorrer
este espaço exige preparação física e determinação adequadas; grande dose de
concentração também se espera dos visitantes e sobretudo uma enorme força
interior. A dimensão do Belo é de tal ordem que os mais incautos ou os mais
sensíveis não conseguem evitar chorrilhos de emoções indisfarçáveis… A Sala Botticelli,
de que vos quero falar hoje, é particularmente impressionante por isso. Ninguém
lhe fica indiferente. A Allegoria della Primavera e Nascita di Venere estão lá,
aguardam-nos imponentes, falam connosco, invadem-nos o olhar, cativam-nos pela
dimensão, agradam-nos pelo registo da cor, em gradação discreta e paleta suave.
Entrar
ali, naquele dia emoldurado de um vento suave primaveril foi emoção única que
irei sempre relembrar. Perfumes singelos emanavam de todas as flores, num claro
exercício artístico de representação pura da Natureza, tão cara aos
renascentistas; perfiladas em tapete bordado sobre as telas gigantes e
avassaladoras de Botticelli, as flores também são personagens principais. De
entre elas, uma sobressai, a Rosa. Segundo a mitologia clássica, a Rosa, “… cuja
fragância é símbolo do amor e cujos espinhos simbolizam a dor que este pode
provocar, é a flor sagrada de Vénus e foi criada ao mesmo tempo que a Deusa…”.Tudo
isto, numa conjugação harmoniosa de tons suaves, discretos como a própria Vénus,
símbolo do amor puro e inocente, pela postura retraída, onde tapa o seu corpo
com as mãos, representadas aqui na perfeição.
A
deusa, no centro da composição, numa explosão contida de beleza infinita
aparece ladeada por Zéfiro e a sua companheira, Flora, que conduzem Vénus para
a margem onde a espera uma das quatro Horas, espíritos que encarnam as
estações. As vestes identificam a Primavera, pejadas de flores lindíssimas que
também cobrem o manto que lhe há de tapar a nudez.
Este
tema da mitologia, tão caro ao Renascimento, tem no Nascimento de Vénus um dos seus melhores exemplos. Quero muito
voltar. Olhar de novo aquela sala, sentir-lhe o perfume, mergulhar os olhos
naquele mar de ondas calmas e naïfs, deixar que Zéfiro e a Primavera abram alas
a um novo renascer, colorir-me com o manto aconchegante quase Gabbana que a Hora
oferece…
Será que volto? E vocês? Lembrem-se que vos
disse que este é um museu imperdível.
Rosa
Maria Alves da Fonseca
Excelente texto que nos ajuda a compreender melhor o lindíssimo quadro e quase a sentir o perfume que dele emana!!!!Obrigado Dra. Rosa Maria.
ResponderEliminarMuito obrigada por me ler e pela simpatia das suas palavras.Percebo que também é sensível ao Belo e a tudo o que a Arte representa.
EliminarRosa Maria Fonseca
Que magnífico texto e visita! É como se por momentos estivéssemos na presença de tão maravilhosas obras e atmosfera! Parabéns e obrigada pela visita 😊
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