«Onze de abril, o quinto dia da
carnificina. Era óbvio que o Conselho de Segurança e o gabinete do Secretário-Geral
não sabiam o que fazer. Eu continuava a receber pedidos para lhes prestar mais
informações… Que mais poderia eu dizer-lhes que não tivesse já descrito com
pormenores terríficos? O odor da morte ao sol escaldante; as moscas, vermes,
ratazanas e cães aos magotes que se banqueteavam com os mortos. […]
Dois
mil ruandeses haviam perdido a vida nesse dia como consequência direta da
retirada dos belgas. Tinham-se refugiado depois de 7 de abril no acampamento
belga montado na escola Dom Bosco, acompanhados por alguns expatriados. Nessa
manhã, tropas francesas tinham vindo à escola para evacuar os estrangeiros, e
depois de partirem, o comandante da companhia, o capitão Lemaire, chamou o
tenente-coronel Dewez, o seu braço-direito, para pedir autorização para que a
sua companhia se reunisse no aeroporto. Não se referiu aos dois mil ruandeses
que as suas tropas protegiam na escola. Quando Dewez aprovou a mudança e as
tropas saíram, os interhamwe entraram
e mataram quase todos os ruandeses.
Assinalo doze de abril como o dia em que o
mundo transitou do desinteresse pelo Ruanda para o abandono dos ruandeses ao
seu destino. A evacuação rápida dos estrangeiros foi o sinal para os genocidas
de que podiam avançar para ao apocalipse. Nessa noite não preguei olho devido
ao sentimento de culpa.» Roméo Dallaire, General de Divisão, Shake Hands With The Devil, 2003
Dellaire comandou as forças de paz das
Nações Unidas para o Ruanda entre 1993 e 1994, mas foi impotente para evitar o
genocídio levado a cabo pelos extremistas hútus contra a maioria tutsi. No
princípio do verão de 1994, forças apoiadas pelo governo chacinaram 800 mil
pessoas. Estes massacres serviram de pretexto para que, em 6 de abril, o avião
do presidente hútu do Ruanda fosse abatido a tiro. A Frente Patriótica
Ruandesa, liderada pelos tutsis revoltosos, acabou por derrubar o regime, pondo
fim ao genocídio – mas semeando represálias e dando origem a que uma onde de
refugiados atravessasse as fronteiras do Ruanda.
Entretanto passaram dez anos e o problema
não se resolveu de todo. O mundo vai acumulando verdadeiros poços negros de
desumanidade e crueldade. Ruanda, Líbia, Síria, Egito… nada parece atingir os corações
de pedra que entoam canções de solidariedade ao mesmo tempo que fecham
fronteiras aos refugiados e deixam milhões de pessoas desamparadas à mercê de
criminosos. As mortes em África e na Ásia não têm, para os media ocidentais, o
mesmo valor daquelas que ocorrem na europa ou na américa. Olhamos para aquela
gente com uma subespécie humana. Os africanos abandonados sentem-no
perfeitamente! Encurralados no desespero são presas fáceis para qualquer Daesh.
Gabriel Vilas Boas
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