Entre 22 e 23 de abril de 1616, há
precisamente 400 anos, o mundo despedia-se de dois enormíssimos escritores: o
espanhol Miguel Cervantes e o inglês William Shakespeare. Nunca mais Espanha e
Inglaterra tiveram escritores tão extraordinários.
Miguel Cervantes deixou-nos Dom Quixote De La Mancha, que alguns críticos
literários consideraram a melhor obra de ficção de todos os tempos, enquanto
Shakespeare legou-nos textos dramáticos imortais como Romeu e Julieta, Macbeth, Sonho de Uma Noite de Verão, O Mercador de
Veneza, Rei Lear, Hamlet. As salas de teatro e de cinema tornaram a obra do
inglês mais imortal e universal, porque o dramaturgo cria diamantes em bruto
que os encenadores e os atores lapidam até à perfeição.
No entanto, a história de Dom Quixote e do
seu fiel escudeiro Sancho Pança é muito mais do que o lado B de um romance de
cavalaria, onde Cervantes satiriza os preceitos que regiam as histórias
fantasiosas daqueles heróis de pacotilha vigentes na época. O mais icónico
romance de Cervantes ensina-nos que a utopia e a loucura fazem tão parte da
vida quanto a mais concreta realidade, havendo sempre protagonistas para
qualquer uma delas. Quatro séculos depois, por cada dez Sanchos encontraremos
pelo menos um Dom Quixote que verá gigantes onde os outros vêem apenas moinhos.
E como cada um precisa do outro para viver.
O teatro também precisou de Sir William Shakespeare para se
reinventar. Desde os enormes Sófocles, Eurípides, Ésquilo que a humanidade não
conhecia alguém tão dotado para pôr o Mundo no palco. Felizmente que logo
depois apareceu Molière, mas a Felicidade não é dada a generosidades
excessivas.
Quatrocentos anos depois ainda não saímos de cena porque há sempre
um Hamlet, um Lear, um Romeu ou uma Julieta que nos habitam de uma maneira tão
intensa e profunda que se torna impossível não amar as peças daquele bardo que fazia
sonetos e peças de teatros com a mesma sublime categoria. Acresce ainda que o
mais conhecido cidadão de Stratford-upon-Avon encantava o seu público com uma
linguagem barroca, virtuosamente trabalhada, tão espirituosa quanto sábia. As
suas personagens de alta estirpe social eram modelos de linguagem, encantando
quer pela forma quer pelo conteúdo.
Cervantes e Shakespeare não podem ficar
fechados nas páginas dos livros, evocados numa qualquer nota biográfica de
calendário nem apreendidos à pressa em frases célebres postadas nas redes
sociais. Precisamos que se entranhem em nós através de espetáculos memoráveis,
atuações sublimes e encenações/produções inovadoras.
Precisamos tanto que nos inquietem a vida…
outra vez!
Gabriel
Vilas Boas
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