Quem anda pelos hospitais já reparou, por certo, que muitos
médicos estão no limite da exaustão. São horas e horas de consultas, urgências,
operações, num ritmo frenético e desumano, onde o perigo de erro médico
espreita a cada esquina.
Um estudo recente refere que dois em cada três médicos
sente que atingiu o limite de saturação física e psicológica. O inquérito foi
feito a cerca de 10 mil médicos e revela, igualmente, que são os médicos entre os
30 e os 45 anos que mais acusam o stress de uma profissão, onde falhar é
literalmente a morte do artista.
Por que chegamos a este ponto? Fecharam-se hospitais? Não! O
número de doentes que procuram os cuidados médicos aumentou exponencialmente?
Não. O número de médicos diminui assustadoramente? Diminui, mas não tanto assim
que justifique este estado de pré caos.
Na minha opinião, é a conjugação de pequenos fatores que
ficaram do tempo da troika assim como uma fratura entre “médicos com estatuto”
e “médicos sem estatuto” no hospital, que está a ditar esta perigosa situação
nos hospitais portugueses.
Começo pelos pequenos "probleminhas" que ficaram do tempo da
troika: os enfermeiros tiveram de se fazer à vida e foram ganhar dinheiro para
o Reino Unido, deixando os hospitais descalços de pessoal essencial à
manutenção dos cuidados básicos de saúde; muitos dos melhores médicos que
trabalhavam no serviço nacional de saúde foram naturalmente aliciados pelos
hospitais privados a mudarem-se de armas e bagagens para um serviço onde a
pressão é menor, o salário é bem maior e o horário é humano. Por outro lado, a
capacidade técnica, humana e tecnológica destes hospitais privados já é muito
aceitável e os médicos percebem que têm boas condições de trabalho no setor privado.
Paralelamente, nos hospitais acentuou-se a diferença de
estatuto entre os médicos. Os mais novos trabalham mais, em piores condições e
ganham menos. Os seus direitos laborais são, por vezes, inferiores aos colegas
mais velhos, por via das alterações que se fizeram nos contratos, dentro da
função pública, na última década.
Fica-me a ideia que nos hospitais portugueses há claramente
médicos de 1.ª e médicos de 2.ª: uns trabalham o necessário no hospital e têm
estatuto suficiente para escolher um horário que lhes permita ainda exercer medicina
privada; outros acumulam horas e mais horas, atendendo um público cada vez mais
exigente, violento e com todo o tipo de mazelas, ganhando um salário mediano. São estes que se sujeitam a todo o tipo de ditames das direções hospitalares e já não conseguem
disfarçar aquele semblante de zombie, que nem repara que à sua frente está uma
pessoa física, psicológica e emocionalmente debilitada.
Não reparam, porque eles não estão muito melhor!
Gabriel Vilas Boas
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