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quinta-feira, 1 de maio de 2014

CLAUDE MONET

Reincidências em luz e água
Não sei se fruto da minha vocação para o disparate, mas por mais de uma vez aconteceu encantar-me, numa loja, com o castanho antracite ou o azul índigo de uma camisola que, assim que transporta a orla da porta, debaixo da chuva de luz natural, transmutou-se num cinzento zombeteiro, para meu desconsolo.

 Há cores de fronteira, azul na íris de alguns, verde na de outros. Há também a nossa subjetividade. E depois há a luz e os seus efeitos. E a luz é a feiticeira da Natureza, mostra e oculta, destaca e desmerece, altera cores e volumes e dirige o nosso olhar.
 A luz foi a musa e a obsessão dos Impressionistas - à frente de todos, o pintor Claude Monet (Paris, 1840-1926). Foi, aliás, o seu quadro “Impressão: Nascer do Sol”, exposto no Salão dos Recusados, que deu nome à corrente, quando um crítico, chocado com a revolucionária forma de pintar, aparentemente tão imprecisa, pegou no título daquele quadro e reduziu o novo estilo pictórico a umas “impressões”.
O quadro “Rio” que o pintor terminou em 1868 parecia ter sido mergulhado num caldo de luz e de tal modo era o seu impacto ao vivo que os críticos se queixavam que lhes agredia a vista.
                                                              
Aos Impressionistas interessava captar a Natureza, as pessoas ou os objetos, tal como se apresentavam sob a fugidia luz solar (Guy de Maupassant, o autor de Bel-Ami, chegou mesmo a dizer de Monet que já não era pintor, era um “caçador”). Por isso privilegiavam a pintura ao ar livre (Monet afirmava mesmo que a Natureza era o seu estúdio) e pintavam não exactamente a realidade, mas o que a luz deixava ver dela, em pinceladas céleres o suficiente para acompanhar a peugada do sol. Aplicavam a tinta em manchas que ao longe se fundiam e faziam todo o sentido, revelando o objeto retratado, mas que vistas de perto e para o olhar vigente, agarrado à pintura arrumada de Courbet, lembravam esboços ou borrões e obra inacabada. O resultado era um conjunto de trabalhos muito belos, claros e delicados, de aspeto sugerido, autênticas poesias de luz e cor.
                                                     
Neste “corta-mato” com a Natureza, o pintor perdia, naturalmente muitas vezes, pelo que Monet optou por trabalhar em várias telas, com o mesmo tema (como os famosos nenúfares), ao longo do dia. Passava de umas para as outras à medida que o sol se deslocava no céu. No dia seguinte retomava o trabalho em cada uma do ponto em que tinha ficado. Nasciam assim as séries – repetições da mesma temática captada a diferentes horas do dia.

Mas nem tudo era espontâneo, quando a Natureza se adiantava, Monet fazia recuar o ponteiro do relógio biológico da forma que lhe estava ao alcance. Aconteceu quando mandou arrancar do carvalho que pintava, num ambiente invernoso, as folhas e pequenos rebentos que despontavam com a primavera.
De outra vez pagou a um comerciante de madeiras para que não derrubasse os choupos que adquirira para madeiramento, até os acabar de pintar do seu barco.

Em Giverny (Normandia), onde viveu, tornou-se, aliás, presa fácil do oportunismo de alguns vizinhos. Gulosos de fazer com ele algum dinheiro e, à maneira dos senhores feudais, faziam-no pagar portagem quando lhes pedia para atravessar os seus campos, fascinado com um retalho de paisagem que queria registar em tela. Se o viam a pintar uma meda de feno ou um álamo em terreno seu, logo se acercavam para a remover ou arrancá-lo… a menos, claro, que Monet lhes quebrasse a urgência com dinheiro.
Felizmente que os tempos de penúria já lá iam, porque esta obstinação custava-lhe verdadeiras fortunas.

 Quando pintou a série de quadros do “Lago dos Nenúfares” que mais tarde afunilou em pinturas que se enchiam apenas com um apontamento deste lago (como em “Nenúfares”), já havia criado, na sua propriedade em Giverny, o seu próprio jardim e fonte de inspiração quase única daí para a frente. Um braço-de-ferro com os agricultores da vizinhança, mais uma vez. A sua tenacidade, contudo, também era férrea. Conseguiu autorização da Câmara para drenar o Ru, um afluente do rio Epte e criar o extenso lago que pintou e repintou em variações tonais. Povoou-o com os seus amados nenúfares e foi uma dor de cabeça convencer os camponeses de que nem aqueles (praticamente desconhecidos em França, à época) nem o desvio do curso do rio, ou as algas que ondulavam na água como cabelos, prejudicavam a agricultura.
                                                     
Pintou até ao fim da vida (com um interregno de três anos de profunda tristeza motivada pela morte da sua segunda mulher, Alice, a que se sucedeu o falecimento do filho Jean), mesmo quando a doença o rasteirou e o privou do seu principal instrumento de trabalho: a visão, comprometida por cataratas e dores oculares terríveis.
Os últimos quadros, como “A Ponte Japonesa”, de 1922 (a mesma dos Lagos dos Nenúfares), são testemunhos vívidos disso mesmo, mas também da juventude anímica do octogenário Monet e um tributo ao espírito de Samuel Beckett:
Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better.”               
                                                                
Maria Vilas

2 comentários:

  1. Apreciei a qualidade do blogue! Gosto muito dos "Grandes Impressionistas"!
    Parabéns, Maria Vilas.

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  2. Gostei do texto, sucinto quanto baste, sem no entanto deixar de nos encantar com a leitura. Pov.

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