Vista
da Quinta da China e do rio Douro
A
formosa Quinta da China, rica propriedade que no séc. XVIII foi a moradia nobre
dos Padres Gracianos de Santo Agostinho de Belmonte, foi o local onde viveu
durante praticamente toda a sua vida Aurélia de Souza, a quarta filha de
António Martins de Souza e Olinda Perez, emigrantes no Brasil e no Chile, onde
fizeram fortuna.
Aos pés
daquela quinta opulenta, prostravam-se jardins perfumados de segredos, de onde
emergia, altaneira, a Casa, e de onde se avistava o serpentear do Douro, a
desenhar a sua curva carregada de sensualidade ali para os lados do Freixo, ora
brando, ora revolto, mas sempre carregado de vontades por vezes indizíveis.
Estes serão temas constantes na obra da pintora exímia de que hoje vos falo.
Da
janela do seu quarto, o rio e o Areínho preguiçoso iluminavam-se pelo Sol que
teimava em pintá-la de luz e de cor. Apenas a trepidação dos comboios, que
passavam um pouco acima da quinta, lembravam a civilização e vinham interromper
belas sinfonias de melros apaixonados ou quebrar silêncios cúmplices. Sem
dúvida, que este oásis fidalgo de calma e beleza a influenciou e marcou com
certeza, porque era o local onde se refugiava e isolava, e para onde voltava
sempre.
Na
sociedade de então, tão bem desenhada por Eça ou Camilo, este vulto das artes do
final do séc. XIX, vestiu uma modernidade sem par, que cedo conquistou o
público em geral, não devido ao seu encanto pessoal, mas sim à qualidade do
trabalho que desenvolveu, como cedo reconheceu o seu mestre particular, Caetano
Moreira da Costa Lima, quando afirmou que nada mais tinha a ensinar-lhe. Assim,
tornou-se aluna da Academia Portuense de Belas-Artes, entre 1893 e 1898,onde
cursou Desenho Histórico, que terminou com dezasseis valores, tal como Acácio
Lino, seu colega e ilustre amarantino. Seguiu-se Pintura Histórica, lecionado
por Marques de Oliveira, embora não o tenha concluído, pois em 1898 decidiu
rumar até Paris, como de resto era usual então. Já na cidade-luz, frequentou os
cursos ministrados por Jean Paul Laurens e Benjamin Constant, onde se afirma no
auto-retrato e se destaca mais tarde no Porto, conjuntamente com António
Carneiro, este já um “retratista de almas”. Da sua obra, contam-se também
paisagens arrebatadoras e misteriosas, quase impressionistas, dóceis flores, tão
apreciadas pela burguesia portuense e quotidianos, sempre muito emocionais e
carregados de significação, a chamar a atenção até para causas sociais. De
paleta cromática sóbria, mas vigorosa, Aurélia seduz numa pincelada por vezes
aclarada por rosas a raiar o dourado, por negrumes que invadem interiores, numa
quase musicalidade A sua obra, imbuída de um naturalismo muito particular,
assume contornos realistas e até impressionistas, fruto dos contactos com o
exterior e das suas viagens.
Como de
costume, deixo-vos com uma seleção de algumas das obras que mais me encantam,
pelo mistério que as envolve, pela sua beleza pictórica, pela paleta cromática
de uma suavidade sem par, pelo prazer que se me oferece quando as olho.
Aurélia
de Souza, Paisagem (Rio Douro),óleo s/tela, não datado, Coleção Fundação casa
de Bragança
Nesta
paisagem do Rio Douro, vista a partir da Quinta da China, adquirida pelo nosso
querido rei D. Carlos, também ele um artista, Aurélia de Souza lembra Monet
numa impressão de luz difusa a convidar à reflexão. Aqui, ultrapassa-se o
naturalismo de forma autónoma e decidida, esquece-se Fontainebleau e a Escola de
Barbizon e temos vanguarda.
De
todos os retratos e auto - retratos, aprecio sobretudo este óleo sobre tela,
pertencente à Coleção Maria Helena Caiado de Souza. Gosto dos tons e do
contraste bem conseguido pelo negro ostensivo do laço todo-poderoso que envolve
o rosto suave de Aurélia. Gosto do ar inacabado da obra, como a dizer “tudo
ainda é possível…”; gosto da fragilidade do olhar, onde quem sabe, podemos
adivinhar “…
nos olhos esse véu muito doce da falta de amor.”, como afirmou Marguerite Duras
um dia, na sua obra” A Vida Material”.
Auto-retrato. c.1897. Óleo s/ tela |
Admiro
muito Aurélia de Souza e a forma como ela pintou o Porto e o seu rio, de alma e
coração. Quando visito a Casa, o que faço amiúde, a primeira coisa que se me dá
é perder-me na paisagem avassaladora do rio que me deslumbra, sentir o seu
cheiro e o perfume dos jardins centenários, adivinhar que planta, que árvore
terá sido tocada por ela. E naquela natureza divina, porque sem dúvida
abençoada por Deus, imaginar uma nova tela, cenográfica, em fusão de flores,
paisagem, retrato…como a pintaria hoje?
Rosa Maria Alves da Fonseca
BELÍSSIMO TEXTO, SOBRE AURÉLIA DE SOUSA!!! UMA PINTORA PORTUENSE. PINTOU UM ESTILO, NATURALISTA, MUITO PESSOAL.GOSTEI MUITO, DAS OBRAS PELO MISTÉRIO QUE AS ENVOLVE E PELA SUA BELEZA! PARABÉNS.
ResponderEliminarPouco depois do começo, corri até ao fim do blogue...e acertei...Era da Rosa Maria Alves Fonseca! Escusado será dizer que o devorei com entusiasmo!
ResponderEliminarAté ao próximo... com ansiedade.
Muito obrigada à Ana e ao Alberto pela simpatia e pela companhia que nos vão fazendo por aqui. Abraço amigo.
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