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terça-feira, 27 de maio de 2014

AUTO DA BARCA DO INFERNO



O Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente é a peça de teatro mais conhecida, mais estudada e das mais importantes do teatro português.
Tal facto deve-se, em grande parte, a ser ensinada nas escolas portuguesas, de modo obrigatório, há muitos anos. No entanto, isso apenas serve para confirmar o seu grande valor cénico, literário, histórico e sociológico.
Na minha opinião, o Auto da Barca do Inferno, escrita em 1517 por Gil Vicente, triunfa, em grande medida, por acertar plenamente naquilo que deve ser a função do teatro: intervir socialmente e divertir o público. Quando essa combinação é feita na dose certa (como é o caso), temos um texto dramático que encanta gerações e gerações de pessoas ao longo dos séculos.



No Auto da Barca do Inferno, Gil Vicente crítica a sociedade portuguesa do século XVI através das célebres personagens-tipo, que representavam classes sociais e grupos profissionais. O Fidalgo surge como o representante da nobreza vaidosa, tirana e imoral que despreza os humildes; o Onzeneiro representa a burguesia materialista e gananciosa; o Frade aponta aos defeitos do clero medieval e renascentista: mundano, imoral e dedicado aos prazeres da vida; o Corregedor e o Procurador ilustram o aparelho judicial parcial, corrupto e subornável; a Alcoviteira simboliza a vida imoral, hipócrita e mentirosa que grassava em grande parte da população; o Sapateiro lembra todos aqueles que se assumiam como católicos mas que não praticavam a verdadeira religião.
Depois temos a personagem do Parvo que se encarrega de trazer a diversão à peça de mestre Gil. Grande parte do cómico de linguagem sai da sua boca.
Outro aspeto muito saliente nesta peça do tempo dos Descobrimentos é a maneira como se usa a ironia. Ela tanto serve para criticar com classe, como para fazer rir ou apenas sorrir.
Apesar da peça retratar com acutilância a sociedade portuguesa da primeira metade do século XVI, a sua temática tornou-se intemporal e universal, porque os defeitos daquelas personagens-tipo são mais do que pecados típicos de classes sociais ou grupos profissionais, são defeitos do ser humano. Por isso, hoje, podemos encontrar outros “tipos” a quem aquele fato serve na perfeição. O banqueiro, o político, a vedeta de televisão…



Não é uma ousadia afirmar que através do Auto da Barca do Inferno vemos mais do que uma época histórica, observamos o ser humano perante as suas fraquezas típicas: o poder, o dinheiro, o prazer.
Percebemos ainda que há povos, como o judeu, que ainda hoje são aceites com alguma relutância e anotamos o decréscimo de importância da religião cristã na vida das pessoas.
Não podemos deixar de assinalar também a qualidade literária do texto, na profusão e variedade de recursos estilísticos, nos jogos de palavras, na riqueza e variedade dos registos de língua. Tudo isto construído com uma língua em mutação e com uma literatura ainda incipiente… há quase quinhentos anos.
Quanto à relevância cénica da peça é por demais evidente. Na época representou um grande avanço, sobretudo no tratamento das personagens. Hoje constitui uma referência para enquadrar os mais novos nas especificidades do texto dramático.
O Auto da Barca do Inferno é uma estrela brilhante no firmamento do teatro português que, com o passar dos anos, adquire um brilho cada vez mais intenso.

Gabriel Vilas Boas


  

1 comentário:

  1. "AUTO DA BARCA DO INFERNO" DE GIL VICENTE, O TEXTO DRAMÁTICO MAIS LIDO DA LITERATURA PORTUGUESA!!! É UMA COMPLEXA ALEGORIA DRAMÁTICA... GIL VICENTE CONSEGUE TORNAR O AUTO NUMA PEÇA TEATRAL! É COMO DIZES GABRIEL: É UMA ESTRELA BRILHANTE DO TEATRO QUE, VAI ADQUIRINDO UM BRILHANTE CADA VEZ MAIS INTENSO. GOSTEI MUITO DE RELER. PARABÉNS GABRIEL!

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