Hoje é dia BLACK FRIDAY. Provavelmente o dia do ano em que mais apetece consumir. É já uma data
iconográfica.
Para
mim é curioso ouvir quase sempre falar dos “direitos do consumidor”, quase
nunca dos deveres. Isto acontece porque o consumidor é a parte fraca. Até já
tem direito a dia para lembrar os seus direitos. Quanto aos deveres, ele cumpre
na perfeição: consome até se consumir.
Consumir
já nem é pecado. Tornou-se doença e dependência. Já nem é alvo de censura, mas
de compreensão, tal é a impotência com que o enfrentamos.
Consumir
é uma droga legal. Tão legal que muitas economias plantaram o seu sucesso em
cima dela. É claro que isso desequilibrou sociedades em geral e o indivíduo em
particular, mas isso não interessa nada às máquinas registadoras com duas
pernas e muitas mãos. Como são magnânimos e inteligentes permitem o dia do
consumidor que, lá no fundo, apenas lhes presta homenagem.
Há
mais de cinquenta anos, Kennedy criou o dia procurando que aos americanos fosse
garantido o direito à informação, segurança, escolha e o direito a ser ouvido.
Portugal só em 1996 consagrou esses direitos, em lei. De lá para cá a DECO tem
sido das associações mais ativas em Portugal na sua defesa.
Claro
que sei que consumir é uma necessidade humana, claro que reconheço a
importância dos direitos dos consumidores estarem plasmados em lei. No entanto,
a questão, para mim, transborda o campo legal. É sociológica.
O
consumismo é o ato de comprar o que não se precisa, com o dinheiro que não se
tem, para impressionar pessoas que não se conhece, a fim de tentar ser aquilo
que não se é.
A
sociedade ocidental (e agora também a oriental) tornou-se numa sociedade
consumista. Uma sociedade de mercado, onde o dinheiro parece ser o único valor
que conta, só existe se houver alguém que consuma porque sim.
Isso
aconteceu quando o consumismo comeu o cérebro das pessoas. A vaidade e a
futilidade fizeram o resto. A mais suprema das ironias é que consumir passou a
ser chique, desejável, recomendável. Enfim, uma virtude. É ver a estratégia
económica das cidades e até de países como Portugal: “Bom, bom é que
venham cá e consumam muito”. É uma ideia de desenvolvimento
económica errada, porque depende dos outros. É uma ideia socialmente egoísta
que apenas vê o seu interesse. Jamais produzirá sociedades justas, quanto mais
felizes ou ricas.
O
consumismo é altamente destruidor. Destrói o planeta e o equilíbrio do Homem
com a Natureza. Mina o apetite pela descoberta, pela experiência e nesse
sentido atrasa a ciência. Mas a mais importante destruição é a do ser humano.
Dos valores aos sentimentos a devastação é imensa. O melhor exemplo disso é o
Natal, onde a hipocrisia e o consumismo estão a construir uma obra-prima digna do
diabo.
O
consumismo transformou os valores do ser humano ao entrar-lhe no âmago. Hoje,
as pessoas são descartáveis como as coisas, porque as encaramos como objetos
consumíveis tal e qual como uma peça de roupa que usamos uma ou duas vezes
antes de a pôr definitivamente de lado. Já reparámos que consumimos
despudoradamente os outros?
Não podemos deixar que o consumismo tome conta do espaço do amor, da amizade, da partilha, pois abrir-se-ão feridas enormes na alma que nos derrotarão com mais contundência que uma doença mortal.
O
que temos que fazer é simples: deixar de comprar o que não precisamos. Ter a
inteligência suficiente para distinguir entre a necessidade e o desejo.
Precisamos
urgentemente de voltar a ter a parcela de liberdade que alienámos. Ela não está
perdida, está no “prego”, à espera que tenhamos a coragem de a resgatar.
EXCELENTE TEXTO SOBRE O CONSUMISMO!!! CONSUMIR JÁ NEM É PECADO... MAS TORNOU-SE UMA DOENÇA. É PRECISO SER INTELIGENTE PARA DISTINGUIR ENTRE A NECESSIDADE E O DESEJO... CONCORDO... PARABÉNS GABRIEL!!!
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