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domingo, 12 de novembro de 2017

JANTAR COM A MORTE


Se os tipos da Web Summit ainda não sabiam, ficaram a saber: em Portugal, as aparências são para se respeitar. Os portugueses adoram as aparências e não gostam que lhes toquem nessa espécie de sagrado. Pode fazer-se e dizer-se quase tudo, mas é absolutamente inconveniente que se saiba.

A aparência é a manta preferida dos portugueses. Ela cobre a ignorância, dá respeitabilidade a quem não a tem, sossega a população, permite que negócios ilegítimos se concretizem dentro da lei, faz-nos acreditar que somos bem melhores do que aquilo que somos. 
A aparência portuguesa traduz-se bem naquele adágio brasileiro “me engana que eu gosto”.

Nas últimas horas, o país mediático lá descobriu que se faziam jantares de gala no Panteão Nacional. Pior: eles não eram proibidos, pois até havia lei para os regulamentar e, sacrilégio dos sacrilégios, o jantar de encerramento da Web Summit só fora o último.
O primeiro-ministro logo se disse chocado. Ninguém sabe se com a autorização que o seu Ministro da Cultura tacitamente deu para estes jantares entre memórias fúnebres do Camões, Vasco da Gama e Nuno Álvares Pereira, se com a lei que outros fizeram e ele aceitou, se com a sua própria ignorância sobre as leis e regulamentos do país.

Concorrendo com o estado de choque de António Costa para globo de ouro do fingimento político está a indignação do maior partido da oposição e criador da lei que permite estas ceias de gala, na companhia da morte.
Entretanto, o povo, que supostamente deve estar indignado, revoltado, chocado leva com outra “revelação”: «Aqui não há corpos! Há sempre essa confusão. No átrio central do Panteão Nacional encontram-se os cenotáfios, que são memoriais fúnebres, do Infante Dom Henrique, de Nuno Alvares Pereira, Camões, Pedro Álvares Cabral, Afonso de Albuquerque, Vasco da Gama. O que aconteceu na sexta-feira foi um jantar, entre outros que se realizam aqui, no corpo central do monumento, de acordo com o regulamento que está em vigor.», disse a Diretora do Panteão Nacional, Isabel Melo.

Ah bom, no Panteão não estão os restos mortais dos nossos maiores, só uma espécie de memorial. Isso deixa-me mais descansado, mas também algo desconsolado. Sendo assim, acho que até podemos subir de nível e passar de jantares de gala a um concurso da Elite Model Look. Acho que a memória do Camões apreciaria. Por outro lado, nem é preciso estar preocupado em atirar as culpas para o governo anterior, porque a culpa já tem dono: o Regulamento, obviamente.

Enquanto aguardamos nova bronca do governo ou da oposição, era bom que quem nos governa passasse uma vista de olhos pelas leis, decretos-lei e regulamentos que aprovou nos últimos anos, porque já não há paciência para tanta indignação, revolta e estados de choque com aquilo que eles próprios fizeram. Se não têm mais nada para nos dizer, vão jantar com a morte e depois contem como foi.

GAVB

1 comentário:

  1. Sirva este festejado entre vivos e mortos para lembrar, panteou ou não a vida termina, ponham os olhos no final da vida tudo é pó e ao pó volta,sejam mais justos...

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