Se os tipos da Web Summit ainda não sabiam, ficaram a saber:
em Portugal, as aparências são para se respeitar. Os portugueses adoram as
aparências e não gostam que lhes toquem nessa espécie de sagrado. Pode fazer-se
e dizer-se quase tudo, mas é absolutamente inconveniente que se saiba.
A aparência é a manta preferida dos portugueses. Ela cobre a
ignorância, dá respeitabilidade a quem não a tem, sossega a população, permite
que negócios ilegítimos se concretizem dentro da lei, faz-nos acreditar que
somos bem melhores do que aquilo que somos.
A aparência portuguesa traduz-se
bem naquele adágio brasileiro “me engana que eu gosto”.
Nas últimas horas, o país mediático lá descobriu que se
faziam jantares de gala no Panteão Nacional. Pior: eles não eram proibidos,
pois até havia lei para os regulamentar e, sacrilégio dos sacrilégios, o jantar
de encerramento da Web Summit só fora o último.
O primeiro-ministro logo se disse chocado. Ninguém sabe se
com a autorização que o seu Ministro da Cultura tacitamente deu para estes
jantares entre memórias fúnebres do Camões, Vasco da Gama e Nuno Álvares
Pereira, se com a lei que outros fizeram e ele aceitou, se com a sua própria
ignorância sobre as leis e regulamentos do país.
Concorrendo com o estado de choque de António Costa para
globo de ouro do fingimento político está a indignação do maior partido da
oposição e criador da lei que permite estas ceias de gala, na companhia da
morte.
Entretanto, o povo, que supostamente deve estar indignado,
revoltado, chocado leva com outra “revelação”: «Aqui não há corpos! Há sempre
essa confusão. No átrio central do Panteão Nacional encontram-se os cenotáfios,
que são memoriais fúnebres, do Infante Dom Henrique, de Nuno Alvares Pereira,
Camões, Pedro Álvares Cabral, Afonso de Albuquerque, Vasco da Gama. O que
aconteceu na sexta-feira foi um jantar, entre outros que se realizam aqui, no
corpo central do monumento, de acordo com o regulamento que está em vigor.»,
disse a Diretora do Panteão Nacional, Isabel Melo.
Ah bom, no Panteão não estão os restos mortais dos nossos
maiores, só uma espécie de memorial. Isso deixa-me mais descansado, mas também algo desconsolado. Sendo
assim, acho que até podemos subir de nível e passar de jantares de gala a um
concurso da Elite Model Look. Acho que a memória do Camões apreciaria. Por
outro lado, nem é preciso estar preocupado em atirar as culpas para o governo
anterior, porque a culpa já tem dono: o Regulamento, obviamente.
Enquanto aguardamos nova bronca do governo ou da oposição, era
bom que quem nos governa passasse uma vista de olhos pelas leis, decretos-lei e
regulamentos que aprovou nos últimos anos, porque já não há paciência para
tanta indignação, revolta e estados de choque com aquilo que eles próprios
fizeram. Se não têm mais nada para nos dizer, vão jantar com a morte e depois
contem como foi.
GAVB
Sirva este festejado entre vivos e mortos para lembrar, panteou ou não a vida termina, ponham os olhos no final da vida tudo é pó e ao pó volta,sejam mais justos...
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