Acordou,
como sempre, mal disposto e cambaleou até à casa de banho. Abriu a torneira e
esta apenas tossiu um espirro de água… despertou os sentidos imediatamente!
«Que brincadeira era aquela!?»
Rodou
o manípulo, mas obteve apenas um esgar envergonhado, como resposta da companhia
de águas. Correu até às outras torneiras. O resultado era idêntico. À quarta
torneira, o alarme da sobrevivência foi ativado: recolheu em copos todas as
gotas que as brilhantes torneiras guardavam nas canalizações. Tinha de lavar a
cara, os dentes, tomar o pequeno-almoço. Tomar banho estava, obviamente, fora
de questão.
No
caminho para o trabalho recebeu uma SMS da companhia que fornecia a água: «A partir do dia X, o consumo de água será
racionado. Por mês apenas poderá gastar y m3. O fornecimento da rede
pública apenas será ativado das 7.30 às 8.30; das 11.30 às 14h e das 19 às
21.30.»
“Água
racionada!?” Quem diria? Ele, que ganhava mais de dez mil euros por mês, que se
fazia transportar num ultramoderno carro híbrido e usava a mais avançada
tecnologia de comunicação, não tinha ÁGUA para tomar um simples duche.
Três
semanas mais tarde, a revolta passara, mas o pesadelo não! Comprara umas
centenas de litros de água potável no supermercado, que guardava ciosamente na
despensa. Agora, a água, no supermercado, estava quase sempre esgotada, apesar
do preço ter subido 500%.
Lá
em casa a vida mudara também. Todos procuravam a hora do jantar para tomar
banho e acordavam mais cedo, precisassem ou não de sair de casa; fazia-se
contas diárias à cota de água ainda disponível; vigiava-se qualquer gasto
supérfluo de água. Os banhos não podiam exceder os cinco minutos; a máquina de
lavar roupa só trabalhava em dias de lotação esgotada (e como isso mudara a
gestão descontraída do guarda-roupa!); deixara de se ouvir o som da água a
correr.
A
água (ou a falta dela) passara a ser tema de conversa como se um anónimo
serviçal se tivesse tornado no único herdeiro da fortuna familiar. Discutia-se
o buraco do ozono, as medidas estruturantes para devolver água potável ao
planeta, os culpados (Como se isso desse de comer à fúria ou trouxesse a água
de regresso às torneiras, sem restrições). Demorou tempo a discutirem o
essencial: O que podiam fazer? A partir daquele momento já só podiam
adaptar-se a uma nova forma de viver, onde a agua era um bem escasso.
De
vez em quando a Raquel recordava os longos banhos de 50 minutos, com água
quente sempre a correr e muita espuma, mas já nem ousava verbalizar essas
memórias, com medo da reação do resta da família.
Os
meses passaram e todos perceberam que o racionamento tinha vindo para ficar. Também ele se tornara um ícone da modernidade como o smartphone, o carro
elétrico, a televisão inteligente ou as viagens de avião de três em três meses,
para uma escapadinha de fim-de-semana.
Rita
percebera que aquela treta da poupança de água, que a professora de Ciências
vendia todos os anos como uma pedinte sem sorte, tinha-se tornado cruel
realidade. Também para eles que nunca tiveram problemas de dinheiro. Agora
tinha um que não podiam resolver pagando.
Ricardo
recordou o dia em que a torneira se engasgou. Não fora um sonho mau.
GAVB
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