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domingo, 19 de novembro de 2017

AGORA É GOTA A GOTA




Acordou, como sempre, mal disposto e cambaleou até à casa de banho. Abriu a torneira e esta apenas tossiu um espirro de água… despertou os sentidos imediatamente! 
«Que brincadeira era aquela!?»
Rodou o manípulo, mas obteve apenas um esgar envergonhado, como resposta da companhia de águas. Correu até às outras torneiras. O resultado era idêntico. À quarta torneira, o alarme da sobrevivência foi ativado: recolheu em copos todas as gotas que as brilhantes torneiras guardavam nas canalizações. Tinha de lavar a cara, os dentes, tomar o pequeno-almoço. Tomar banho estava, obviamente, fora de questão.

No caminho para o trabalho recebeu uma SMS da companhia que fornecia a água: «A partir do dia X, o consumo de água será racionado. Por mês apenas poderá gastar y m3. O fornecimento da rede pública apenas será ativado das 7.30 às 8.30; das 11.30 às 14h e das 19 às 21.30.»

“Água racionada!?” Quem diria? Ele, que ganhava mais de dez mil euros por mês, que se fazia transportar num ultramoderno carro híbrido e usava a mais avançada tecnologia de comunicação, não tinha ÁGUA para tomar um simples duche.

Três semanas mais tarde, a revolta passara, mas o pesadelo não! Comprara umas centenas de litros de água potável no supermercado, que guardava ciosamente na despensa. Agora, a água, no supermercado, estava quase sempre esgotada, apesar do preço ter subido 500%.

Lá em casa a vida mudara também. Todos procuravam a hora do jantar para tomar banho e acordavam mais cedo, precisassem ou não de sair de casa; fazia-se contas diárias à cota de água ainda disponível; vigiava-se qualquer gasto supérfluo de água. Os banhos não podiam exceder os cinco minutos; a máquina de lavar roupa só trabalhava em dias de lotação esgotada (e como isso mudara a gestão descontraída do guarda-roupa!); deixara de se ouvir o som da água a correr.


A água (ou a falta dela) passara a ser tema de conversa como se um anónimo serviçal se tivesse tornado no único herdeiro da fortuna familiar. Discutia-se o buraco do ozono, as medidas estruturantes para devolver água potável ao planeta, os culpados (Como se isso desse de comer à fúria ou trouxesse a água de regresso às torneiras, sem restrições). Demorou tempo a discutirem o essencial: O que podiam fazer? A partir daquele momento já só podiam adaptar-se a uma nova forma de viver, onde a agua era um bem escasso.

De vez em quando a Raquel recordava os longos banhos de 50 minutos, com água quente sempre a correr e muita espuma, mas já nem ousava verbalizar essas memórias, com medo da reação do resta da família.
Os meses passaram e todos perceberam que o racionamento tinha vindo para ficar. Também ele se tornara um ícone da modernidade como o smartphone, o carro elétrico, a televisão inteligente ou as viagens de avião de três em três meses, para uma escapadinha de fim-de-semana.

Rita percebera que aquela treta da poupança de água, que a professora de Ciências vendia todos os anos como uma pedinte sem sorte, tinha-se tornado cruel realidade. Também para eles que nunca tiveram problemas de dinheiro. Agora tinha um que não podiam resolver pagando.
Ricardo recordou o dia em que a torneira se engasgou. Não fora um sonho mau.
GAVB

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