1 de Maio de 2027
Estava uma linda tarde de primavera e na
redação da Quo todos tinham vindo
trabalhar, apesar de a administração ter vincado que era feriado, Dia do Trabalhador,
e ninguém estava obrigado a fazê-lo. No entanto, quem viesse trabalhar dobraria
o salário daquele dia. Todos compareceram, até porque não havia nada para fazer
– a revista tinha ido para as bancas no dia anterior e o próximo número ainda
vinha longe.
Faltava
apenas o Francisco, o sindicalista, o
mais velho de todos e o único que fazia questão de ser tratado por “trabalhador”
e não como “colaborador”.
Francisco
era competente; escrevia bem e sabia muito de História. Todavia mantinha
aquelas ideias de sindicalista tonto, sempre a praguejar pelos direitos do trabalhador.
Ninguém lhe ligava. Nos últimos dez anos não tinha conseguido uma única adesão
ao sindicato dos jornalistas entre os colegas. Apesar do seu ar contestatário a
administração não o despedia – sabia o que escrevia; tinha ótimos contactos nos
sindicatos, nos partidos políticos e na função pública. Um erro dispensá-lo!
Quanto a ele, ninguém sabia por que continuava: o baixo salário não era
atualizado há seis anos; as regalias diminuíam de ano para ano; perdera
estatuto dentro da revista para quem sabia menos do que ele e os colegas
gozavam-no, à socapa, sempre que ele se punha com a cartilha dos direitos do
trabalhador.
Depois
do almoço, Francisco apareceu na redação com ar sorridente e anunciou aos
colegas:
-A
partir de hoje sou um dos vossos. Não quero que me tratem mais por Francisco, o
sindicalista, mas somente por “colaborador”.
Todos
se entreolharam estupefactos. O que teria acontecido? Aquilo seria uma piada?
Zangara-se com os camaradas do sindicato? Fez-se um constrangedor silêncio na
redação apenas quebrado pelo António que comunicou ao neófito colaborador:
-O
chefe disse que, quando chegasses, fosses ao gabinete dele.
Mal
entrou o chefe atirou:
-Isto
são horas de chegar, Francisco? Disseste que vinhas hoje… mas não era para
chegar às horas que te apetece!
-Caro
colega, não vejo porque te irritas. Cheguei às horas que me apeteceu…
-Colega!?
Às horas que me apeteceu!? Aqui há hierarquia – um chefe, vários subordinados…
- e um horário a cumprir.
-Isso
era dantes, colega. Eu agora sou colaborador, portanto apenas colaboro contigo e com os outros…
colega. Quanto ao horário, não acho que tenha de cumprir nenhum em especial.
Afinal de contas, não há hora de saída, não há hora de almoço, por que havia de
existir hora de chegada? Uma inutilidade.
-Deixa-te
de tretas, Francisco! Pega aqui neste tema sobre o declínio dos sindicatos na
Europa e começa a trabalhar esta matéria para o próximo número.
-Nada
disso, colega-chefe. Como te disse, sou apenas um colaborador. Se o colega precisar da minha colaboração, eu posso
dar-lha, pois é para isso que me pagam, no entanto, se é um trabalho que me
pede não o poderei executar, porque a partir de hoje deixei de ser trabalhador e ingressei na nobre
carreira de colaborador.
E
saiu porta fora e foi sentar-se à sua secretária. Entretanto a Rita abeirou-se
dele e começou a queixar-se da administração que não a deixava faltar justificadamente
por assistência à filha doente nem lhe dava uma folga há cinco semanas.
Francisco sorriu mas nada disse.
Juntou-se-lhes o Pedro que queria saber dos
seus direitos, visto que trabalhava na revista há cinco anos e mantinha o
salário de estagiário. Francisco sorriu ironicamente:
-Trabalhas!?
Não, Pedro, tu colaboras! E como eles
te ficam tão gratos pelos teus serviços, no final do mês, dão-te uma
gratificação. Eu sei que te parece uma gorjeta, mas também só “colaboras”, ou
seja, fazes um trabalho em colaboração, a meias… Percebes?
Entretanto
Francisco levantou-se e deu de caras com o bolo ao centro estava inscrito “Feliz
Dia do Trabalhador, Francisco”.
Ele
não desfez a pose e foi buscar uma garrafa de espumante, copos e uma faca.
Partiu o bolo em fatias, uma para cada um, encheu os diversos copos. Retirou
uma fatia de bolo e ergueu um copo em direção aos colegas.
-Feliz Dia do Colaborador, colegas!
Um
silêncio profundo invadiu a sala. Ninguém pegara no seu copo, ninguém fora
buscar a sua fatia. Francisco deu a colaboração
daquele dia por terminada e foi para casa.
GAVB
Viva o 1º de Maio, dia do/a trabalhadora!!!
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