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segunda-feira, 1 de maio de 2017

FELIZ DIA DO COLABORADOR


1 de Maio de 2027
Estava uma linda tarde de primavera e na redação da Quo todos tinham vindo trabalhar, apesar de a administração ter vincado que era feriado, Dia do Trabalhador, e ninguém estava obrigado a fazê-lo. No entanto, quem viesse trabalhar dobraria o salário daquele dia. Todos compareceram, até porque não havia nada para fazer – a revista tinha ido para as bancas no dia anterior e o próximo número ainda vinha longe.
         Faltava apenas o Francisco, o sindicalista, o mais velho de todos e o único que fazia questão de ser tratado por “trabalhador” e não como “colaborador”.
         
Francisco era competente; escrevia bem e sabia muito de História. Todavia mantinha aquelas ideias de sindicalista tonto, sempre a praguejar pelos direitos do trabalhador. Ninguém lhe ligava. Nos últimos dez anos não tinha conseguido uma única adesão ao sindicato dos jornalistas entre os colegas. Apesar do seu ar contestatário a administração não o despedia – sabia o que escrevia; tinha ótimos contactos nos sindicatos, nos partidos políticos e na função pública. Um erro dispensá-lo! Quanto a ele, ninguém sabia por que continuava: o baixo salário não era atualizado há seis anos; as regalias diminuíam de ano para ano; perdera estatuto dentro da revista para quem sabia menos do que ele e os colegas gozavam-no, à socapa, sempre que ele se punha com a cartilha dos direitos do trabalhador.
       
  Inesperadamente, Francisco avisara de véspera que naquele dia viria trabalhar. Os colegas admiraram-se, mas abstiveram-se de comentários. Dois deles, no entanto, preparam-lhe uma surpresa: um bolo. “Não faz anos, mas era o Dia do Trabalhador” – atirou a Rita com ar sarcástico.
         Depois do almoço, Francisco apareceu na redação com ar sorridente e anunciou aos colegas:
         -A partir de hoje sou um dos vossos. Não quero que me tratem mais por Francisco, o sindicalista, mas somente por “colaborador”.
        Todos se entreolharam estupefactos. O que teria acontecido? Aquilo seria uma piada? Zangara-se com os camaradas do sindicato? Fez-se um constrangedor silêncio na redação apenas quebrado pelo António que comunicou ao neófito colaborador:
        
-O chefe disse que, quando chegasses, fosses ao gabinete dele.
         Mal entrou o chefe atirou:
-Isto são horas de chegar, Francisco? Disseste que vinhas hoje… mas não era para chegar às horas que te apetece!
         -Caro colega, não vejo porque te irritas. Cheguei às horas que me apeteceu…
         -Colega!? Às horas que me apeteceu!? Aqui há hierarquia – um chefe, vários subordinados… - e um horário a cumprir.
         -Isso era dantes, colega. Eu agora sou colaborador, portanto apenas colaboro contigo e com os outros… colega. Quanto ao horário, não acho que tenha de cumprir nenhum em especial. Afinal de contas, não há hora de saída, não há hora de almoço, por que havia de existir hora de chegada? Uma inutilidade.
        
-Deixa-te de tretas, Francisco! Pega aqui neste tema sobre o declínio dos sindicatos na Europa e começa a trabalhar esta matéria para o próximo número.
         -Nada disso, colega-chefe. Como te disse, sou apenas um colaborador. Se o colega precisar da minha colaboração, eu posso dar-lha, pois é para isso que me pagam, no entanto, se é um trabalho que me pede não o poderei executar, porque a partir de hoje deixei de ser trabalhador e ingressei na nobre carreira de colaborador.
         E saiu porta fora e foi sentar-se à sua secretária. Entretanto a Rita abeirou-se dele e começou a queixar-se da administração que não a deixava faltar justificadamente por assistência à filha doente nem lhe dava uma folga há cinco semanas. Francisco sorriu mas nada disse. 
Juntou-se-lhes o Pedro que queria saber dos seus direitos, visto que trabalhava na revista há cinco anos e mantinha o salário de estagiário. Francisco sorriu ironicamente:
        
-Trabalhas!? Não, Pedro, tu colaboras! E como eles te ficam tão gratos pelos teus serviços, no final do mês, dão-te uma gratificação. Eu sei que te parece uma gorjeta, mas também só “colaboras”, ou seja, fazes um trabalho em colaboração, a meias… Percebes?
         Entretanto Francisco levantou-se e deu de caras com o bolo ao centro estava inscrito “Feliz Dia do Trabalhador, Francisco”.
         Ele não desfez a pose e foi buscar uma garrafa de espumante, copos e uma faca. Partiu o bolo em fatias, uma para cada um, encheu os diversos copos. Retirou uma fatia de bolo e ergueu um copo em direção aos colegas.
         -Feliz Dia do Colaborador, colegas!

         Um silêncio profundo invadiu a sala. Ninguém pegara no seu copo, ninguém fora buscar a sua fatia. Francisco deu a colaboração daquele dia por terminada e foi para casa.
GAVB

sexta-feira, 1 de maio de 2015

O VALOR DO TRABALHO


O que vale o trabalho nos dias de hoje? Não me refiro ao valor monetário, mas ao estatuto social do Trabalho.
Quando observo as horas de intenso labor com que muitos trabalhadores pontuam os seus dias e as comparo com os parcos euros ou dólares que esses mesmos trabalhadores levam para casa, não deixo de me interrogar se não estamos a desvalorizar demasiado um dos valores fundamentais de qualquer sociedade.
A sociedade deve organizar-se de maneira a remunerar justamente todo e qualquer trabalho. Não é admissível que quem trabalha oito/dez horas por dia não consiga angaria o suficiente para viver com dignidade. No entanto, grande parte dos trabalhadores portugueses e de outros países apenas consegue sobreviver com aquilo que lhe pagam. Outros nem isso…

Injusto, imoral, socialmente inaceitável, economicamente discutível, este moderno pensamento da oligarquia que governa o mundo é também muito perigoso.
Quando os jovens perceberem claramente que não é pelo esforço, pelo trabalho realizado que melhoram substancialmente as suas vidas, deixarão de eleger o Trabalho como um valor referencial e perseguirão outros deuses bem menos recomendáveis.
Como se pode fazer um trabalhador ter espírito de equipa, ter brio nas tarefas que executa, mostrar responsabilidade, quando nunca é convidado a sentar-se à mesa dos lucros, os elogios ficam sempre para os administradores e os problemas que os outros criaram se resolvem sempre à custa do seu salário?

Há trinta anos, os empregadores queixavam-se dos trabalhadores faltosos que inventavam doenças para faltarem ao trabalho. Hoje, os patrões coagem os empregados a fazerem horas extraordinárias que nunca pensaram em lhes pagar; humilham-nos no dia 1 de maio, obrigando-os a trabalhar a dobrar; não fazem nenhum esforço por manter os postos de trabalho quando surgem as primeiras contrariedades do mercado. Em ambos os casos o erro é o mesmo: o Trabalho, enquanto valor âncora duma sociedade, foi desconsiderado. Depois seguem-se os respetivos acertos de contas entre agentes que deviam ter confianças uns nos outros e ajudarem-se. E não saímos desta luta irracional e desgastante.

Valorizar o trabalho é remunerá-lo justamente; valorizar o trabalho é respeitar as regras previamente acordadas entre as partes; valorizar o trabalho é fazer todos participarem das perdas e dos lucros; valorizar o trabalho é entender que quem trabalha tem uma outra vida (social, familiar, cultural…) além do emprego; valorizar o trabalho torná-lo num espaço humano; valorizar o trabalho é fazê-lo o último pagador das crises e o primeiro beneficiário das “retomas”; valorizar o trabalho é perceber que o trabalhador tem de descansar; valorizar o trabalho é entender que o investimento deve ter retorno; valorizar o trabalho é fazer do local de trabalho um espaço plural, livre, solidário.
O Trabalho é um dever e um direito, não um privilégio nem uma esmola.

Gabriel Vilas Boas