Qualquer
obra de Siza Vieira é um objeto luminoso que foi reinventado pelo arquiteto, ou
seja, pacientemente construído.
Nas suas obras,
percebemos claramente quem são os seus clientes, a geografia dos diferentes
lugares onde projeta, o tempo que passou nas cidades onde constrói.
É
verdade que Álvaro Siza é também as escadas que estreitam, os ângulos
agudos que parecem ameaçar, a janela-porta, a curvatura no teto. Mas
isso são “acidentes” numa arquitetura cuidadosamente construída.
Há quem diga, com propriedade,
que a sua arquitetura é regra e acontecimento, ou seja, por um lado é
modulação, estrutura e padrão e, por outro lado, episódio, usurpação e fuga. Eu
não poderia estar mais de acordo.
Álvaro Siza Vieira pertence à
chamada Escola do Porto de Arquitetura que nos anos 60 e 70
do século XX partilhou uma mesma sensibilidade arquitetónica. A sua fidelidade
à Escola
do Porto e à arquitetura moderna vê-se nas várias configurações
geográficas e temporais que as suas obras apresentam.
O que causou espanto, a nível
europeu, foi a reinvenção inconformista que o arquiteto nascido em Matosinhos
fez dessa matriz moderna. Siza não se deixou impressionar com as propostas
pós-modernas e utópicas dos seus colegas mais novos. Ele afirmou o seu realismo
arquitetónico e isso veio a granjear-lhe admiração e clientes por essa Europa
fora.
As habitações sociais que
projetou nos anos setenta do século XX trouxeram-lhe convites para projetos em
Berlim e Haia.
E o que tinham
esses bairros sociais de tão extraordinário?
Siza recriou a
habitação social, construindo-a em diálogo arquitetónico com os seus utentes e
por isso construiu tipologias inovadoras como recomendavam os grandes sábios da
arquitetura moderna, Gropius e Le Corbusier. Tal como o Le Corbusier do anos
vinte, Álvaro Siza sempre gostou de planos cegos e do reboco pintado a branco.
E isso vê-se nas suas propostas de bairros sociais na altura em que a revolução
dos cravos triunfava em Portugal.
Outro aspeto peculiar da obra
deste grande arquiteto português é o desenho do mobiliário e acessórios, à boa
modernista. Siza Vieira acha que deve ter o controle geral do “ambiente”. Por
isso começou por desenhar esse mobiliário e acessórios, até porque não existia
no mercado quem o fizesse segundo o paradigma modernista. Depois a necessidade
tornou-se na exigência pessoal a que se impôs. Para Siza Vieira, o arquiteto deve ser o
responsável principal pelos vários níveis de qualidade duma obra, incluindo os
objetos de uso diário.
Outro aspeto que singulariza Álvaro
Siza Vieira é o uso do esquisso como processo pessoal, síntese e inventariação.
O esquisso permite captar as diversas faces daquilo que o edifício quer ser
ou há de ser nas suas diversas etapas. No sentido inverso, podemos
concluir que os seus edifícios são o resultado da controlada volatilidade desses bosquejos. O dedo do mestre está na passagem dos esboços para o “desenho
rigoroso”. O equilíbrio dinâmico dos edifícios decorre dos esquissos, por
referência à arte moderna (assimetria, dissonância, plasticidade). Siza consegue,
depois, passar essas qualidades para a construção através dum controle
geométrico.
Siza usa dum modo muito pessoal
um sistema de “traços reguladores” que permite impor regras às livres
composições modernistas. Ele usa esse traçado regulador como pretexto para a
construção de pequenos sinais (linhas de teto, de luz, de pavimento, de muretes
– que encarnam a natureza orgânica dos esquissos e são arquitetura). É por
coisas como estas que os seus edifícios têm clareza formal. Ele sabe organizar
o espaço.
As obras deste arquiteto são
também, muitas vezes, uma experimentação construtiva, pois Álvaro Siza criou a
sua própria linguagem construtiva, solidificada nas várias experiências que fez
em cada projeto. As últimas grandes obras confirmam temas e processos que lhe
são muito caros. Quando é desafiado por um qualquer problema, é dentro do seu
próprio universo construtivo que ele vai buscar a solução.
Talvez, por
isso tudo, possamos falar dum a obra grandiosa, moderna, inovadora e, sobretudo,
coerente.
"Carteira Profissional": Álvaro Joaquim Melo Siza Vieira nasceu em Matosinhos, em 1933. É o mais famoso, importante e galardoado arquiteto português. Ensinou na Escola Superior de Arquitetura do Porto, mas também em Lausanne (Suíça), Bogotá (Colômbia), Harvard (E.U.A.). Em 1992, o conjunto da sua obra é internacionalmente reconhecido ao ganhar o famosíssimo Prémio Pritzker, atribuído pela fundação Hyatt de Chicago e considerado o maior galardão no mundo da arquitetura. Antes já tinha ganho a medalha de ouro do Collegio de Architectos de Espanha (1988), o prémio Arnald W. Brunner Memorial (Academia Americana de Artes e Letras – Nova Iorque), o Praemium Imperiale da Associação Japonesa de Artes, em Tóquio, entre dezenas de distinções internacionais. Em Portugal também foi amplamente premiado. Destaco as duas vezes em que foi distinguido com o prémio Secil de Arquitetura: em 1996, pelo Edifício Castro e Mello, no Chiado, e em 2000, com a Faculdade de Ciências e Informação de Santiago de Compostela.
Siza Vieira é um manual de
obras de referência. Destaco apenas dez para não ser exaustivo: Casa do Chá
Restaurante da Boa Nova, em Leça da Palmeira; Biblioteca da Universidade de
Aveiro, Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto; Centro Galego de
Arte Contemporânea (Santiago de Compostela), Faculdade de Ciências e Informação
de Santiago de Compostela; Museu de Arte Contemporânea – Fundação de Serralves
(Porto); Pavilhão de Portugal na Expo 98; Igreja de Santa Maria e Centro Paroquial
em Marco de Canaveses; Centro Cultural e Auditório Fundação Iberé Camargo, em
Porto Alegre, Brasil; renovação da Avenida dos Aliados (em parceria com outros
arquitetos).
Gabriel Vilas Boas.
EXCELENTE TEXTO SOBRE ARQUITETURA!!! GOSTO DO FAMOSO ARQUITETO, ÁLVARO SIZA VIEIRA... CONHEÇO ALGUMAS OBRAS: COMO O " CENTRO GALEGO DE ARTE CONTEMPORÂNEA, "EM SANTIAGO DE COMPOSTELA. DE TODAS AS OBRAS VISLUMBRA-SE A MODERNIDADE DA SUA ARQUITETURA!!! GOSTEI... PARABÉNS GABRIEL.
ResponderEliminarObrigado, Ana, pelo comentário. Qualquer um de nós fica muito satisfeito por nos leres com muita atenção, carinho e simpatia. Esperemos que nunca te canses.
ResponderEliminarAprecio o trabalho de Siza, pelo despojamento e pela clareza da sua linha.
ResponderEliminarMas ouvi-lo como eu o ouvi, na Escola Artística Soares dos Reis, foi uma experiência única. Ele haveria de gostar de te ler também, Gabriel, como eu gostei.