Sandro Botticelli, Alegoria da Primavera,1482,têmpera sobre madeira,203 cmx314cm,Galeria Uffizi, Florença
Alessandro ou Sandro Filipepi nasceu a 1 de março de 1445, no Bairro de Santa Maria Novella, em Florença. Portanto, só podia ser boa pessoa. Ventos suaves e perfumados viram-no nascer num março ensolarado a anunciar flores e danças e músicas e tardes dignas de deuses no Olimpo. E nós, doces mortais, em vésperas da tão querida Primavera, de quem nos poderíamos recordar senão do autor desta magnífica Alegoria com que vos presenteio hoje?
Por mim, viveria numa constante Primavera, embora o Outono e o Inverno me seduzam pelos seus inúmeros encantos. Mas se me deixassem ser deusa por um dia no Olimpo, eliminaria o Verão e passaríamos a ter uma Primavera infinita, de temperaturas delicadas, a convidar para passeios deliciosos nos jardins, ou para deleites, junto a ninfas imortais que nós sabemos com absoluta certeza que continuam a habitar os campos, as florestas, os rios e os oceanos, vagueando em vestes transparentes de sedução, como as que vemos na obra de Botticelli.
Para chegar a tal nível de perfeição, teve com certeza de haver mestre, numa oficina de pintura igual a tantas outras que pululavam pela Itália do Quattrocento. Vasari, numa das suas resenhas de artistas, aponta Frei Filippo Lippi como mestre de Botticelli, entre os idos de 1460 e 1467.E é durante este período que o nosso pintor produz as suas Virgens e Madonas, de que destaco a Virgem do Rosal, também ela a inundar-nos o olhar de uma Primavera mística e que podemos apreciar hoje na Galeria Uffizi, em Florença.
Sandro Botticelli, A Virgem do Rosal, têmpera sobre madeira,124 cmx65 cm, Galeria Uffizi, Florença
Todas as suas obras primam já por um preciosismo do pormenor, numa linguagem técnica extraordinária. Gosto particularmente das suas Madonas em formato circular, as célebres Madonas em “tondo”, muito procuradas na época por mecenas para a decoração dos seus belos palácios ou para devoção privada.
Sandro Botticelli,1490-1500,Virgem com o Menino e S. João Batista criança, Têmpera sobre madeira,74 cmx74cm,Museu de Arte de S. Paulo
Mas para mim, Boticcelli excede-se nesta obra que hoje escolhi para nós. “Hipersensível, refinado e sonhador, com uma linha móvel e frequentemente musical…”,esta Primavera, originalmente pintada para a Villa di Castello, propriedade dos primos de Lourenço, o Magnífico, o grande mecenas de Florença, foi alvo de inúmeras interpretações, todas elas de difícil comprovação e carentes de certezas, e que podemos ler aqui e ali. Mas a que mais me encanta é a interpretação musical desta grande obra-prima de Botticelli.O ritmo desta obra, a lembrar uma dança festiva em honra da Natureza, é sem dúvida, muito musical. E aqui está a prova, extraída de uma História da Arte que me persegue desde aluna:
“A comparação musical consiste em considerar o episódio da direita, ilustrando a perseguição de Céfiro a Flora, a um allegro, seguido de uma Hora da Primavera; depois, como um andante melancólico, a figura central da Vénus vestida; a seguir, a melodia parece variar, movendo-se num ritmo perpétuo, das Três Graças, até chegar a um trillo evidente nas duas mãos erguidas deste grupo, e extinguindo-se, por fim, num morendo, num Mercúrio que aponta descontraidamente para o céu.”
História da Arte, Editorial Salvat
Tanta coisa foi dita sobre esta obra. Que se tratava da representação dos meses, de fevereiro (Céfiro) a setembro (Mercúrio);uma aversão ao mito de Vénus; a representação do amor de Juliano de Médicis por Simonetta Vespucci… Não é por acaso que se pensa ser esta a obra mais enigmática deste autor,”…penetrada do pensamento neoplatónico que percorria o círculo florentino onde Botticelli se movimentava”.
Mas hoje não quero divagar sobre o que realmente queria o pintor representar. O que importa é que Botticelli, nesta Alegoria da Primavera, nos mostra o Renascimento, em todo o seu esplendor. Classicismo, Humanismo, a busca da perfeição… Tudo isto, este artista do Renascimento, traduziu nas suas obras em verdade, perfeição e imitação da Natureza. A Mitologia, tão cara a esta época da História da Arte, está espelhada aqui num toque magistral. O Naturalismo, com dezenas e dezenas de minúsculas flores desenhadas em linhas fluidas e leves, espalhadas pelo vestido de Flora e por toda a cena pictórica. O retrato, em toque suave de realismo, nos diferentes rostos representados. Ah, como eu gosto do Quattrocento…
E, para terminar, deixo-vos com uma apreciação de um contemporâneo de Botticelli, sobre este pintor, em informação a Ludovico, o Mouro sobre os melhores pintores do seu tempo:
“Sandro de Botticelli, excelentíssimo pintor sobre tábua e na pintura a fresco; as suas obras têm um ar viril e são de uma conceção ótima e proporções íntegras…”
Quando olho para as obras de Botticelli, vejo, ao contrário deste agente de Ludovico, uma arte do feminino, graciosa e imensamente fascinante. Leonardo da Vinci, afirmou que “ a pintura é uma poesia muda”. Sim, também o penso. Só que neste caso particular, esta obra vem com música dentro. Música que poderia até ser esta…mesmo que de uma época distinta. Que tal ouvir?
Rosa Maria Alves da Fonseca
Belíssimo texto!!! Excelentíssimas obras de Sandro Botticelli. Concordo, com a afirmação de Leonardo da Vinci: " a pintura é uma poesia muda ". Mas, esta obra vem com uma música maravilhosa... Adorei... Parabéns!!!
ResponderEliminarExcelentes escolhas! Tive já o privilégio de observar essa delicada Alegoria da Primavera de Boticelli, uma das minhas pinturas preferidas desse autor. Uma beleza! Muito saboroso está também o teu texto.
ResponderEliminarBeijocas!
Também adoro...Botticelli era um génio. Mas a Galeria Uffizi ainda está à minha espera...snifff...Obrigada, Anabela e Ana, que eu não tenho o prazer de conhecer,mas que com toda a certeza, também é bela! Basta gostar de Arte, não é? Bom fim de semana.
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