O
encenador é o computador central duma representação teatral, mas o público não
o ama nem o idolatra como o faz com os atores. Raramente os aplausos são para
ele. Ele existe para fazer brilhar os outros: atores, texto, dramaturgo.
É ao
encenador que cabe fazer a ligação entre dramaturgo e espectador. Cabe-lhe dar
a conhecer a obra escrita, transformando-a em representação teatral. Da sua
arte, poder de interpretação e intuição resultará o triunfo do dramaturgo junto
do público. Muitas vezes, o encenador é o principal divulgador da obra do
dramaturgo, mas não raras vezes veste a pele de traidor ao bom estilo do tradutor. Talvez por isso sejam raros os
encenadores que gostem de “pegar” num texto de autor vivo para encenar. Corriam
o risco de serem confrontados com o dramaturgo que “não tinha pensado a peça
daquela maneira”. E grande parte do público ainda não está preparada para que
um texto tenha várias leituras. Nesse sentido, ele seria sempre o traidor. Não
penso assim. Fernando Pessoa, no seu extraordinário poema “Autopsicografia”, definiu
corretamente a questão: cada texto tem forçosamente mais que uma leitura. A do
autor é só uma delas. Quando publicado, o texto passa a ser também propriedade
afetiva dos leitores.
Nessa
perspetiva, o encenador é um manipulador. Um leitor intermediário e
esclarecido. Ele é o primeiro amante do texto do dramaturgo. E deve ser por esse
amor que o elege para moldar. Claro
que pode ser mais ou menos fiel ao texto, dependendo do seu objetivo. Acho que na
maioria dos casos ele tem a pretensão de expor o seu ponto de vista acerca da
peça escrita.
Depois
de se ter deixado enamorar pelo texto, o encenador tem a ingrata tarefa de
escolher os atores que melhor servem a sua
ideia da peça. Ingrata, porque dirigir atores requer um talento raro e
exigente. Não é preciso, apenas, deter conhecimento cénico puro; é necessário
dominar perfeitamente as regras das relações pessoais e conseguir extrair de
cada ator o que de melhor pode aportar à peça. Como se isso ainda fosse pouco,
é imperioso motivar cada ator para a sua interpretação, sabendo gerir egos e
protagonismos.
A
relação encenador/ator (atriz) é um eixo fundamental no sucesso duma peça. Tal
como no cinema, onde há realizadores que têm as suas atrizes preferidas, também
no teatro o fenómeno ocorre. Quando o encenador consegue alargar este leque de
atores/atrizes que desejam ser dirigidos por si, então o seu trabalho ganha um
reconhecimento superlativo.
No
entanto, o encenador tem de cuidar que esta relação tão próxima, muitas vezes
íntima, não lhe retire o distanciamento e autoridade que a função exige. Essa
distância para o ator deve/tem de existir, pois é ele que corrige, que orienta,
que decide. É ele que tem de zelar pelo trabalho em equipa. E esse trabalho não
é dispensável num microcosmos tão
delicado e sensível como é um grupo de atores e atrizes ávidos de
protagonismo.
Mas o
trabalho do encenador não se esgota nestes dois Adamastores (dramaturgo e ator)
que tem de entender, atrair e dirigir. Ele deve também orientar o cenógrafo, o
luminotécnico, o figurinista. É um trabalho ciclópico, pois exige um domínio e
conhecimento elevados sobre várias vertentes do Teatro, da peça e do autor. Ele
é o maestro da representação. Todos esperam um sinal seu, mas ele não pode
esperar nada dos outros. É um exercício de poder solitário.
Como o
teatro tem poucos espectadores, o que significa poucas receitas, cabe-lhe ainda
fazer difíceis escolhas técnicas e artísticas, ditadas pelo tamanho da bolsa.
Nesse sentido, é também um gestor económico. Talvez por isso, devesse ter mais
tempo para se preparar, talvez fosse justo que ganhasse melhor. Mas não é isso
que acontece.
E
quando o pano fecha e o público se levanta, as palmas não são para ele. Mas a
verdade é que são!
Gabriel Vilas Boas
GOSTEI... O ENCENADOR É O MAESTRO DE TODA A REPRESENTAÇÃO!!! PARABÉNS GABRIEL.
ResponderEliminarAinda bem que gostaste, Ana. Obrigado pelo incentivo e por nos leres.
EliminarDr. Gabriel Vilas boas, quero dar-lhe os parabéns, pela excelente ideia deste blogue e dos extraordinários colaboradores que arranjou, mas o meu elogio vai mais diretamente, para dois: Drª Margarida Assis e Dr. António Aires, cada um, na sua especialidade. São ótimos e deixam-nos mais " ricos" com a sabedoria que fazem o favor de partilhar connosco.
ResponderEliminarA si, o meu particular obrigado, pela iniciativa e continue...Tudo de bom e as maiores felicidades!...
Obrigado pelas simpáticas palavras que nos deixa. Faremos os possíveis por ser merecedoras da vossa atenção e da vossa leitura.
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