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terça-feira, 4 de março de 2014

O ENCENADOR

O encenador é o computador central duma representação teatral, mas o público não o ama nem o idolatra como o faz com os atores. Raramente os aplausos são para ele. Ele existe para fazer brilhar os outros: atores, texto, dramaturgo.
É ao encenador que cabe fazer a ligação entre dramaturgo e espectador. Cabe-lhe dar a conhecer a obra escrita, transformando-a em representação teatral. Da sua arte, poder de interpretação e intuição resultará o triunfo do dramaturgo junto do público. Muitas vezes, o encenador é o principal divulgador da obra do dramaturgo, mas não raras vezes veste a pele de traidor ao bom estilo do tradutor. Talvez por isso sejam raros os encenadores que gostem de “pegar” num texto de autor vivo para encenar. Corriam o risco de serem confrontados com o dramaturgo que “não tinha pensado a peça daquela maneira”. E grande parte do público ainda não está preparada para que um texto tenha várias leituras. Nesse sentido, ele seria sempre o traidor. Não penso assim. Fernando Pessoa, no seu extraordinário poema “Autopsicografia”, definiu corretamente a questão: cada texto tem forçosamente mais que uma leitura. A do autor é só uma delas. Quando publicado, o texto passa a ser também propriedade afetiva dos leitores.
Nessa perspetiva, o encenador é um manipulador. Um leitor intermediário e esclarecido. Ele é o primeiro amante do texto do dramaturgo. E deve ser por esse amor que o elege para moldar. Claro que pode ser mais ou menos fiel ao texto, dependendo do seu objetivo. Acho que na maioria dos casos ele tem a pretensão de expor o seu ponto de vista acerca da peça escrita.
Depois de se ter deixado enamorar pelo texto, o encenador tem a ingrata tarefa de escolher os atores que melhor servem a sua ideia da peça. Ingrata, porque dirigir atores requer um talento raro e exigente. Não é preciso, apenas, deter conhecimento cénico puro; é necessário dominar perfeitamente as regras das relações pessoais e conseguir extrair de cada ator o que de melhor pode aportar à peça. Como se isso ainda fosse pouco, é imperioso motivar cada ator para a sua interpretação, sabendo gerir egos e protagonismos.
A relação encenador/ator (atriz) é um eixo fundamental no sucesso duma peça. Tal como no cinema, onde há realizadores que têm as suas atrizes preferidas, também no teatro o fenómeno ocorre. Quando o encenador consegue alargar este leque de atores/atrizes que desejam ser dirigidos por si, então o seu trabalho ganha um reconhecimento superlativo.
No entanto, o encenador tem de cuidar que esta relação tão próxima, muitas vezes íntima, não lhe retire o distanciamento e autoridade que a função exige. Essa distância para o ator deve/tem de existir, pois é ele que corrige, que orienta, que decide. É ele que tem de zelar pelo trabalho em equipa. E esse trabalho não é dispensável num microcosmos tão delicado e sensível como é um grupo de atores e atrizes ávidos de protagonismo. 
Mas o trabalho do encenador não se esgota nestes dois Adamastores (dramaturgo e ator) que tem de entender, atrair e dirigir. Ele deve também orientar o cenógrafo, o luminotécnico, o figurinista. É um trabalho ciclópico, pois exige um domínio e conhecimento elevados sobre várias vertentes do Teatro, da peça e do autor. Ele é o maestro da representação. Todos esperam um sinal seu, mas ele não pode esperar nada dos outros. É um exercício de poder solitário.  
Como o teatro tem poucos espectadores, o que significa poucas receitas, cabe-lhe ainda fazer difíceis escolhas técnicas e artísticas, ditadas pelo tamanho da bolsa. Nesse sentido, é também um gestor económico. Talvez por isso, devesse ter mais tempo para se preparar, talvez fosse justo que ganhasse melhor. Mas não é isso que acontece.
E quando o pano fecha e o público se levanta, as palmas não são para ele. Mas a verdade é que são!

Gabriel Vilas Boas

4 comentários:

  1. GOSTEI... O ENCENADOR É O MAESTRO DE TODA A REPRESENTAÇÃO!!! PARABÉNS GABRIEL.

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    1. Ainda bem que gostaste, Ana. Obrigado pelo incentivo e por nos leres.

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  2. Dr. Gabriel Vilas boas, quero dar-lhe os parabéns, pela excelente ideia deste blogue e dos extraordinários colaboradores que arranjou, mas o meu elogio vai mais diretamente, para dois: Drª Margarida Assis e Dr. António Aires, cada um, na sua especialidade. São ótimos e deixam-nos mais " ricos" com a sabedoria que fazem o favor de partilhar connosco.
    A si, o meu particular obrigado, pela iniciativa e continue...Tudo de bom e as maiores felicidades!...

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    1. Obrigado pelas simpáticas palavras que nos deixa. Faremos os possíveis por ser merecedoras da vossa atenção e da vossa leitura.

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