Se a cultura, os sítios, os
costumes e os valores são o lado luminoso dum povo, a corrupção é a sombra que
me entristece.
Não que sejamos grandes
corruptos ou que façamos dela um modo de vida, mas porque a corrupção é o
pequeno ponto negro que nunca nos saiu da cara.
Notámo-lo na adolescência e achámo-lo
feio mas nunca nos demos ao trabalho de ir ao esteticista tirá-lo. Adiámos a
intervenção cirúrgica quando chegámos à fase adulta. Dissemos que não tínhamos
dinheiro para ir ao médico quanto mais a um esteticista.
Entretanto o ponto negro transformou-se em sinal e alguém disse que podia ser cancerígeno,
mas em vez de transformarmos o medo em resolução, adotámos a inação. Até porque, agora, o problema só se resolvia
com anestesia geral. “Demasiado caro! Demasiado doloroso!” – Decretámos.
Abandonar
essa corrupçãozinha, que nos acompanha como um estigma que
não mata mas mói e nos torna infelizes, subdesenvolvidos e pequenos, parece
tarefa enorme. Para disfarçar, ainda declaramos que o ponto negro, entretanto
transformado em verruga, é tolerável e até nos dá um certo charme. Mas nem nós
acreditamos nisso…
Olhamos
novamente o espelho. O rosto envelheceu significativamente. O ponto negro ainda
cá está. Bem definido. Ele é a única marca que o tempo não transformou, porque
ficara decidido que esse trabalho devia ser nosso.
Como
é triste a alma que olha um rosto que não admira!
Agora
achamos difícil mudar. Afirmamos que já não vale a pena, que estamos velhos. Acrescentamos
baixinho: “Não consigo!”. Tudo desculpas baratas. Não gosto da conversa do "ontem era cedo,
hoje já é tarde!"
Abandonar
esta mentalidade preguiçosa e derrotista é o desafio que o português do século
XXI tem de enfrentar. Não importa nada se é difícil ou fácil. É um desafio,
para com o qual só devemos ter uma atitude e uma determinação: vencer.
Hoje,
ao ler o jornal, reparei num trabalho jornalístico sobre a corrupção em
Portugal. Tinha por base uma sondagem sobre o que pensavam os portugueses
acerca da corrupção no setor público. E pensam o pior.
Três
em cada quatro portugueses acham os seus políticos corruptos. Não me
surpreende. Mas por que votamos há quarenta anos nos mesmos?
Mais
surpreendido fiquei ao verificar que 66% dos inquiridos acha que temos
legisladores, juízes e militares corruptos. Não acha que temos fazedores de
leis e julgadores ineficazes ou medrosos, acha que eles são corruptos. Uma
desgraça ética tremenda. Menos perplexo fiquei ao verificar que quatro em cinco
inquiridos acham que a corrupção
aumentou nos últimos dois anos e que cerca de 90% pensa que se trata dum
problema sério/muito sério da nossa administração.
Não discuto, aqui, a fundamentação
desta opinião, mas anoto como ela está arreigada no subconsciente coletivo.
E o que faz essa consciência coletiva? Anota, acusa… e
passa à frente. Se é assim no dia-a-dia porque há de ser diferente com quem nos
governa? Como diria Ricardo Araújo Pereira: há corrupção? Há. E o que é que
acontece? Nada!
Talvez porque 15% da população ache que os cidadãos não
podem fazer a diferença no combate à corrupção. Como é possível alguém pensar
assim? As regras são importantes e funcionam como dissuasor, mas cabe a cada um
rejeitar este modus operandi social. Não é um problema dos outros,
é nosso!
Quando
me pergunto por que somos um país pobre, pouco desenvolvido e culturalmente
atávico, lembro-me sempre deste ponto negro que trazemos no rosto. Chama-se
corrupção e não deveria rimar com a nossa nação.
Gabriel Vilas Boas
EXCELENTE TEXTO!!! CONCORDO: CHAMA-SE CORRUPÇÃO E NÃO DEVERIA RIMAR COM A NOSSA NAÇÃO. PARABÉNS GABRIEL!!!
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