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quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

DECLARAÇÕES E RECLAMAÇÕES DE AMOR


Já não estavam juntos.
Os dias, as semanas, os meses haviam arquivado recordações e emoções, mas não o Amor. Ainda se amavam, mas o lixo, que deixaram acumular pelo jardim, fizera perder o perfume e a beleza das rosas. Sobrava-lhes o silêncio, a mágoa, o ressentimento. Também o amor.
Incomodava-os aquele sentimento que teimava em sobreviver ao fim.
“O Dia Dos Namorados”
Ana não conseguia fugir com o pensamento à simbologia do dia nem à lembrança de Miguel. Não havia arrependimento da decisão tomada, mas tinha de admitir que tinha saudades. Do Miguel que fazia declarações de amor.
Onde estavam elas? Num impulso temerário foi buscar cartas, bilhetes-postais, que o ex-marido lhe mandara durante anos. Surpreendeu-se com a quantidade e com as datas!


Miguel gostava de lhe gabar o olhar misterioso e o sorriso maroto, desde o tempo em que namoravam. Deixava-a vaidosa os constantes elogios à beleza das suas formas e a satisfação que brotava dos seus olhos castanhos sempre que reparava na ousadia dos seus vestidos.
Lia com atenção um poema que lhe escrevera há cinco anos, num dia como aquele. E por entre a beleza das palavras pairou um nuvem de recordações negativas.
Já naquele tempo o Dia dos Namorados era uma ilha enganadora num mar de reclamações.
Miguel acusava-a de se concentrar apenas nas filhas, de estar sempre a reclamar com tudo e com todos, de não ter tempo para eles.




Mas que queria ele? Tinha-se tornado desleixado, desarrumado, descuidado! Deixara de ser um parceiro, passara a ser um peso. Não ajudava nas tarefas domésticas e tornara-se insuportável e egoísta.


Também Miguel acordara a pensar na ex-mulher, naquele triste Dia dos Namorados. Não tinha cartas, bilhetes ou poemas, mas uma memória cheia de declarações de amor em forma de ações.
Lembrava-se perfeitamente daquela contagiante alegria de viver que o obrigara a ser feliz. Ana era uma tempestade tropical que abanava o coração de todos o que amava. Infelizmente, isso passara a ser uma exclusividade das filhas. Irritava-se com facilidade; estava sempre a acusá-lo… de falhar, de não cumprir promessas, disto e daquilo, mas a verdade é que também ela falhava: atrasava-se constantemente; nunca se lhe ouvia um pedido de desculpas; deixara de se cuidar, de ser carinhosa e simpática.

Aquelas recordações faziam-lhe mal. Ia sempre parar aquilo que os derrotara: as constantes reclamações.
Quase já não se lembrava da última declaração que fizera a Ana. Ou melhor, recordava-se – fora mal recebida, pois a ex-mulher aproveitou para o acusar de hipocrisia e logo despejou um rol de reclamações que afundou as suas melhores intenções.

A caminho do trabalho, Miguel pensava em Ana, na simbologia daquele dia e nas razões do falhanço do casamento de ambos. Amargamente concluía que o Dia dos Namorados, dos Afetos ou do Amor não fora apenas simbólico, mas profundamente enganador e excecional. O que fora comum, regular e esmagador foram as centenas de reclamações que encheram os outros dias.

Pensou novamente em Ana. Tinha tantas saudades dela. Apetecia-lhe digitar aqueles números que os seus dedos sabiam de cor, mas resistiu.
Amanhã o seu gesto e as suas palavras teriam um valor incomensuravelmente maior.
GAVB

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