Ricardo já tinha repetido aquele pedido desesperado e
impaciente três vezes, mas a mãe não lhe dava a palavra. Furiosamente
continuava debitar as acusações de sempre sobre as notas escolares, que nunca a
satisfaziam.
O filho tentou interrompê-la, porque tinha várias coisas a
dizer em sua defesa, além de já estar cansado daquela saraivada de acusações, a
que já perdera a conta. No entanto, acabou por desistir de tentar ser ouvido.
Esperou que o cansaço derrotasse aquela fúria, engoliu em seco o inevitável
«Ouviste bem o que estou a dizer?!» e disse com calma:
- Mãe, eu estive atento nas aulas, estudei e até melhorei as
notas em relação ao período passado, mas tu nunca estás satisfeita!
Ficou surpreendida,
mas disparou à mesma a resposta formatada que tinha pensado.
-Não quero
saber! Tens de tirar melhores notas. Tens capacidades para mais! Esforça-te
mais!
Ricardo
desistiu de ripostar, de a tentar convencer das suas razões, porque a mãe,
simplesmente, não o ouvia. Que lhe adiantava falar se ela não o ouvia?!
No dia
seguinte seria diferente… ia ter com o pai. Como a relação deles mudara! Agora
conversavam. Falavam de tudo um pouco e sentia-se ouvido e confiante.
A mudança
ocorrera, no final do período passado, quando o pai também lhe viera com a
conversa das notas, durante um jantar. Criticava-o enquanto mandava uns sms urgentes
(não são todos?) e dava uns likes nas
fotos dumas amigas do facebook.
Aquilo irritou-o profundamente.
Achou uma grandessíssima falta de respeito e resolveu pôr o pai na ordem.
- Importas-te de desligar o
telemóvel e ouvir o que tenho para te dizer?!
Sacudido por aquela bofetada de
luva branca, o pai sorriu sem graça e, envergonhado, desligou o telemóvel. Ricardo
aproveitou para lhe dizer quanto o magoava que durante os almoços que tomavam
juntos o pai estivesse sempre atento ao telemóvel, o que fazia que não
prestasse qualquer atenção ao que o filho dizia. Por isso esquecia-se com frequência
dos seus pedidos, dos seus argumentos e até do que haviam combinado.
Ricardo explicou ao pai que se
esforçava na escola, tendo subido sempre as suas notas, mas que tinha as suas
limitações, que nem sempre conseguia vencer. Além do mais, para ele, o mais
importante era perceber aquilo que lhe ensinavam e a sua utilidade prática e
não se tirava um cinco ou um quatro.
Pela primeira vez em anos, o pai
ouviu-o com atenção. Estava comovido com a lição que o filho lhe dera. Os dois
tomaram, em conjunto, algumas resoluções. A partir dali, os telemóveis seriam banidos durante os almoços e o tema das notas só entraria
na conversa se o Ricardo o invocasse.
A
relação entre pai e filho melhorou imenso. Falavam muitas vezes durante o dia;
trocavam confidências e passaram a confiar um no outro. De vez em quando,
Ricardo provocava o pai:
- Não queres saber que nota tirei
a Geografia?
O pai costumava retorquir-lhe com
aquele
- Diz-me antes o que aprendeste nas últimas duas semanas?
E a conversa fluía normalmente. O
pai aprendera a olhá-lo nos olhos, a ouvi-lo, a querer saber dele para além das
notas. No entanto, era ao pai que ele contava em primeiro lugar as notas que
tirava. Fazia-o com gosto e responsabilidade, mas também com reconhecimento.
Há meses que Ricardo deixara de
discutir com o pai. Nunca mais tivera necessidade de lhe dizer «Já posso
falar?!», porque podia mesmo falar e, sobretudo, ser ouvido.
Os filhos não ouvem, falam! Nós é
que os temos de ouvir. Olhá-los nos olhos e perceber o que está para além de
uma nota, um mau comportamento, uma desatenção permanente.
O que conta para
eles é o exemplo.
Os filhos são um grande teste à
nossa capacidade de amar, porque o amor também exige inteligência e humildade.
Gabriel
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