Não é uma ideia surrealista, mas a ordem de um tribunal de
Madrid, que determinou a exumação do corpo do genial pintor espanhol, para esclarecer, definitivamente, se Pilar Abel é ou não sua filha.
Há dez anos que Pilar diz ser descendente de Salvador Dali,
mas até agora ninguém lhe tinha dado razão nem maneira de o provar. Hoje, a juíza
María Del Mar Crespo decidiu que se desenterraria o que resta de Dalí, para
saber se Pilar tem razão ou não.
Aprecio a coragem da juíza, pois sempre achei que um dos
direitos inalienáveis do ser humano é Saber Quem É, quem é o seu progenitor, tenha
sido ele um cobarde, um péssimo pai ou apenas alguém que nunca soube que teve
aquela filha.
Pilar é um oportunista? É possível. Corremos o risco de
desfazer o mito, a áurea que cerca o grande Salvador Dalí, quando o
desenterrarmos e dermos com um monte desconjuntado de ossos e matéria que nos
parecerá repugnante? É provável. Corremos o risco de não ser possível recolher
uma prova científica e irrefutável sobre aquilo que procuramos? Não é
impossível que tal aconteça.
Apesar de tudo isto, vale a pena tentar, porque
aquela mulher tem o direito de saber, sem margem para dúvidas, quem é o seu pai.
Se a ciência lhe dá essa hipótese, a Lei e a sociedade não lho podem negar, apesar de todas as inconveniências e dúvidas.
Em Portugal, tudo é diferente. António Silva Rodrigues, o
quinto homem mais rico do país, já faltou a seis testes de paternidade e parece
que ninguém o obriga a cumprir com o seu dever perante a justiça. Fernando
Pinho Teixeira, um milionário e comendador de Vale de Cambra, com uma fortuna
avaliada em 180 milhões de euros, arrastou durante uma década uma querela em
tribunal, mesmo sabendo ser o pai, teimando em não reconhecer como filha a atriz Marina Santiago.
Há onze anos, vários investigadores da Universidade de
Coimbra viram-lhes retirada, à ultima hora, autorização para exumar o corpo do
primeiro rei de Portugal, Dom Afonso Henriques, porque havia o perigo de a
ciência desfazer alguns mitos que a História criou. Talvez Dom Afonso
Henriques não fosse aquele portento físico que os nossos primeiros livros de
História nos contaram, talvez algumas certezas históricas se tornassem dúvidas…
Se a ciência nos permite escrever corretamente a História,
seja ela de um povo ou de uma pessoa, ninguém deve ter o direito de o impedir,
ainda que seja muito rico, ainda que a verdade seja pouco glamourosa e muito
inconveniente.
GAVB
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